domingo, 29 de março de 2009

Sinceramente falando

Sempre ouço falar que grandes escritores se inspiram em todo e nenhum lugar. Do meio do nada lhes vem uma história pronta na cabeça e tudo que eles fazem é achar um papel e escrevê-la. Eu, não sendo um grande escritor, não funciono assim.

Às vezes não sei o que quero falar e sento no computador. Abro um novo arquivo, em branco, e fico olhando para ele. Sei que tenho algo pra falar, pra tirar de mim. Olho para a janela, que fica perto do monitor. Vejo as nuvens e não raro acho que devia fotografá-las mas deixo a tarefa para depois. Algumas vezes chupo uma bala, tomo um gole de algo. E aí vem o texto. Ele chega tímido, comedido e é, provavelmente, sobre o mesmo assunto do anterior. Curioso que eles não me soem repetitivos. Cada dia é um e eu estou diferente. Minha visão é outra sobre o mesmo fato. Mas não posso deixar de observar que o núcleo duro do fato ainda é o mesmo. Fato.

Outras vezes estou à toa. Sentado em um banco do shopping olhando para uma vitrine cheia de roupas estranhas e me vem uma declaração de amor na cabeça. Uma ode a um sentimento com muitos rostos e nenhum deles perto o suficiente para ser tocado. Abro minha mochila e escrevo no caderno. Mudo pouquíssimas coisas, ele vem realmente pronto, completo e sem pedir permissão. Acho igualmente curioso isso. Sei que se ele pedisse eu não o deixaria chegar. Tenho percebido que me falta sensibilidade às coisas grandes. Passei tanto tempo exercitando-me para enxergar as pequenas que perdi a noção do tamanho do todo.

Ainda me abalo com as mesmas coisas, situações, pessoas, frases e canções. Invento diálogos e telefonemas na minha cabeça e tendo a fazer meus textos direcionados a esses rostos distantes. Isso é igualmente chato e libertador. É tudo uma fase, eu sei. Um período de felicidade é seguido por um bem triste. Pois felicidade não é real, a paz é. E eu escrevo sem medo de ser interpretado de forma equivocada, pois um dia isso não vai acontecer mais. É que esses períodos duram tempos diferentes, então eu sigo escrevendo sobre tudo e todos. Aqui, ali, em qualquer lugar.

sábado, 7 de março de 2009

Quem quer ser um otário?

Um jovem indiano chamado Jamal foi selecionado para a versão do Show do Milhão de seu país e está prestes a ganhar o prêmio máximo da atração. Por ser um pobre servidor de chá em uma empresa de telemarketing, a suspeita de fraude é muito consistente. Para provar que não é seu caso, o garoto começa a explicar o motivo de saber todas as respostas e a edição traça um paralelo entre o jogo e sua vida. Em meio a isso tudo, claro, uma história de amor. Assim eu resumiria “Quem Quer Ser Um Milionário?”, filme de Danny Boyle que ganhou o grande prêmio do último Oscar.

Praticamente toda a produção do longa-metragem é originária de bollywood, a indústria cinematográfica da Índia, que produz mais filme que qualquer outra no mundo. Naturalmente, muito da cultura do lugar é passado para as telas. Todo o terceiromundismo referente a favelas, lixo, pobreza, prostituição e exploração de menores estão lá. Claro que tudo ficaria bem mais chocante se não vivêssemos no Brasil, onde metade do país não tem saneamento básico, mas essa é outra história. Aliás, Boyle flertou bastante com Fernando Meirelles nessas cenas – inclusive, se você achava que ninguém bateria o recorde de takes de favelados sendo seguidos pela polícia depois de “Cidade de Deus”, não perde por esperar. Existem tantos aqui que eu perdi não só a conta, mas também a excitação deles.

A história é boa. Existe um desejo comum em grande parte da humanidade, que é o sonho de uma vida melhor ao lado de um amor. Aqui, Jamal busca um e encontra o outro e as pessoas ao meu redor torciam pelo herói e choravam nas cenas finais. Não me tocou, mas eu compreendo o efeito que o filme tem. Muitos vão discordar, mas o Oscar ter ido para “Quem Quer Ser um Milionário?” foi apenas político. Os filmes de bollywood são os líderes de bilheteria absolutos na Índia e, como eu disse, por lá se fazem filmes demais. Não dava para ignorar aquele mercado para sempre.

Trata-se, portanto, de mais um daqueles prêmios de consolo do Oscar, para mostrar que a Academia não é mais tão conservadora e evitar que a premiação seja apontada como equivocada no futuro - como aconteceu, para ter um exemplo recente, em 2003, quando Halle Barry se tornou a primeira negra a levar a estatueta com "A Última Ceia", mais que merecido. Mas aí rolou a gracinha de premiar dois negros e escolheu-se Denzel Washington por "Dia de Treinamento" e não Russel Crowe por "Uma Mente Brilhante". One step too far...

Entretanto, há um acerto real no Oscar de canção original. A batucada indiana que rola nas cenas mais tensas realmente é boa e dá um clima interessantíssimo ao que vemos.

“Quem Quer Ser Um Milionário?” tem todos os elementos que um filme bom precisa ter, mas ele não é tão bom assim. Não há absolutamente nada inédito no enredo cru, na base da história, exceto o fato de que ela se passa na Índia. Cheio de erros de continuidade, eu aposto que, como aconteceu com “Titanic”, daqui três anos todo mundo vai falar que detesta o longa.

Os créditos aparecem, dou um suspiro e me pergunto se eu gostei do que assisti. Gostei. Mas é que eu já vi esse filme antes. Toda a teoria culturológica está lá. Projeção, identificação, acontecimentos romanescos e, claro, o happy ending. Bocejos...

terça-feira, 3 de março de 2009

Os 11 anos de Ray of Light

O álbum “Ray of Light” comemora mais um ano de vida hoje e já é mocinha, soprando 11 velinhas. E não acho que é necessário dizer como eu gosto dele, afinal, um elemento da capa está tatuado no meu ombro. Mas acontece que este ainda é meu CD favorito de Madonna.

Lançado em 1998, Madonna, logo ela, vai na contramão do pop chiclete de boybands e cantoras teens da época e aposta em uma sonoridade completamente diferente e canções com temas delicados. A pegada eletrônica transformava qualquer barulinho em ritmo e formava camadas que cobriam bases acústicas formando boas músicas que iam do mid-tempo ao dance.

Com a voz trabalhada depois do musical “Evita”, a cantora alcança notas mais altas e se mostra muita mais versátil, entoando mantras e apresentando músicas que tinham tanto gritos quanto cochichos. Madonna tinha dado à luz sua primeira filha e para recuperar a forma começou a fazer yoga. Cheia de perguntas sobre o universo – afinal, ter um filho é explicar para ele o sentido da vida e isso não é algo fácil de fazer se nem você o entende – ela começou seus estudos de Cabala. E está tudo lá, nas letras dessas músicas que para mim, em resumo, conceituavam o que era maturidade.

Madonna se revela solitária na faixa de abertura, “Drowned World”, e medrosa em “Mer Girl”, última canção do disco que é, na verdade, um poema sobre a morte de sua mãe, simplesmente recitado. Fala sobre orgasmos em “Candy Perfume Girl”. Reflete sobre violência e otimismo em faixas como “Swim” e “Sky Fits Heaven”. Já em canções como "Skin", "To Have and Not to Hold" e "The Power of Good Bye" fala sobre relacionamentos e perdas - e as duas últimas apresentam melodias que lembram Astrud Gilberto. Fala da maternidade em “Little Star”, claro, e ainda canta na língua sagrada da Índia, o sânscrito, na faixa “Shanti/Ashtangi”.

Ela teve a manha de escolher William Orbit e Patrick Leonard como produtores. Dois caras incrivelmente criativos e com propriedade para o que ela queria. O primeiro na experimentação eletrônica e o segundo nas letras (ele também escreveu “Like a Prayer”, por exemplo).

Na época que o álbum alcançou minhas mãos (ou seria o contrário?) eu estava em uma fase muito peculiar. Eu já tinha começado a ler sobre Cabala, mas era um CD muito cheio de poesias e extremamente tocante – especialmente se ouvido com fones – e vi como era necessário ir mais fundo. Comecei a fazer yoga e análise e, tendo “Ray of Light” como marco inicial, minha vida mudou completamente. Ninguém pode medir isso.

Com a incrível marca das 15 milhões de cópias vendidas e 4 Grammys, o álbum teve bons clipes, com destaque para o melancólico "Frozen", o agitado “Ray of Light” e o artístico “Nothing Really Matters”, com uma releitura das duas personagens principais do livro “Memórias de uma Gueixa”, de Arthur Golden.

E é por isso tudo que ele continua sendo meu favorito.

Ah, o desenho da capa é o símbolo de uma árvore. Trata-se de um ícone de equilíbrio entre o mundo espiritual (galhos) e o material (raízes).