domingo, 25 de janeiro de 2009

- Oi, Eric Clapton

Sabe quando, sem nenhum motivo especial, alguém te presenteia com uma coletânea de um cantor que você não conhece direito? Aí você vai ouvindo e, aos poucos, conhecendo a obra completa e acaba gostando. Melhor foi o presente que ganhei de minha mãe: a autobiografia de Eric Clapton.

Antes do livro eu conhecia o que? Acho que nada além de “Layla” e de todas as participações dele em shows beneficentes ou em memória de alguém. E ler sobre o processo criativo e os bastidores de músicas que você não conhece é igualmente fascinante, talvez melhor do que se eu conhecesse. Depois eu vou lá, procuro uma canção ou um álbum e ele soa mais inédito ainda para mim.

Mas, apesar de Eric ser uma lenda viva da música, essa não foi a parte que mais me chamou atenção no livro.

Eu chorei de rir quando Clapton descreveu seu primeiro porre, que rolou em um evento de música: “Chegamos lá no sábado de manhã e planejávamos ficar até domingo à noite. Decidimos ir ao pub para almoçar antes de chegar ao festival. A última coisa que me lembro daquele dia é estar dançando em cima de uma das mesas com um cara que nunca tinha visto na vida. (...) Eu tinha ido com alguns amigos, com a intenção de acampar no bosque perto do festival e, quando dei por mim, estava acordando de manhã sozinho, no meio do nada. Não tinha dinheiro, tinha me cagado, tinha me mijado, tinha me vomitado todo e não tinha idéia de onde estava. (...) Fiquei imensamente desiludido com meus amigos, chocado por terem me deixado naquela situação, sozinho e sem nenhum dinheiro, mas a coisa realmente insana era que mal podia esperar para fazer tudo de novo”. O começo de uma amizade bem duradoura com o álcool.

O que mais me impressionou foi a quantidade de drogas que Clapton usava. Ele descreve umas coisas realmente insanas, como tomar soníferos e manter-se acordado à base de cocaína curtindo o efeito da mistura, de como o pó que ele usava era incrivelmente forte já que feito por um amigo que estudava química, de como ele preferia cheirar heroína (e não injetar, pois ele tem medo de agulhas). Em um ponto da vida (dentro de uma fase que ele dá o título de “Anos Perdidos”), ele estava sempre chapado, e o vício nasceu sem que ele notasse. Ele percebeu que estava viciado quando viu que ia ter que dirigir 300 quilômetros e era melhor estar sóbrio para cair na estrada com o Ferrari.

“Lembro das primeiras 24 horas de abstinência como inferno absoluto. Foi como se eu estivesse envenenado. Cada nervo e cada músculo do meu corpo entrou em espasmos de cãimbra, me enrosquei em posição fetal e uivava de agonia. Jamais tinha sentido dor como aquela, nem quando era garoto e tive escarlatina [doença infecciosa que afeta a língua, a garganta e toda a pele, que sofre alterações como descamação, vermelhidão e coceira]. Não havia comparação. Levou três dias inteiros, sem nenhum fiapo de sono nesse tempo. E o pior é que estar limpo da droga era uma sensação horrível. Minha pele parecia em carne viva, meus nervos estavam todos em sobressalto e eu mal podia esperar para usá-la de novo.”

Depois de uma clínica de reabilitação, Eric ficou melhor, mas começou a abusar do álcool, geralmente e equivocadamente tratado como uma droga mais branda. Ele trocou de vícios. Aterrorizante.

Se ele está vivo agora e still can rock, é quase um milagre. E apesar de toda essas aventuras serem, digamos, normais para a época - e especialmente para uma estrela do rock -, é assustador ler sobre o assunto na primeira pessoa. Não é segredo que eu guardo uma espécie de desprezo (ou rancor?) por pessoas que usam drogas. E lendo a autobiografia de Clapton isso veio novamente à mente.

Um querido amigo que já teve uma fase junkie das pesadas me contou algo que tem muito a ver com minha opinião sobre o assunto. Uma terceira pessoa disse: “Como você quer que alguém se interesse por você e te ame e te respeite se você não faz isso com você mesmo?”. Drogas são uma agressão física e espiritual e quem não vê assim é porque já está envolvido demais na coisa - e estar envolvido nem sempre quer dizer usar ou vender.

Costumo dizer que cheirar pó é coisa de rock star. Se você tem uma vidinha 9 to 5, existem inúmeros baratos mais legais que o que drogas podem causar. Ouvir Eric Clapton, por exemplo.

Para ouvir depois de ler: I Shot The Sheriff – Eric Clapton

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

E esse São Paulo Fashion Week, ein?

Para quem não sabe, eu estou cobrindo o São Paulo Fashion Week e isso me fez refletir sobre moda. De uma forma ou de outra, não interessa que tipo de roupa você usa. Tudo vira uma maneira de se expressar. Afinal, se você não se importa com alta costura e usa jeans e blusa branca, você acaba passando a mensagem de que você não se importa com moda! Então é inevitável...

Declarado isso, vamos seguir.

Eu adoro comprar roupas e passo um tempo considerável pensando no que vestir (dependendo da ocasião, claro), mas sempre achei desfiles uma bobagem. E, tendo que acompanhar todos do SPFW, acho que isso mudou um pouco. Me vi mais interessado naquilo, apesar de ter muito estilista que está mais inclinado para artista plático, não? O pessoal é tão montado e colorido que dá dó. Não é a toa que eles precisam mudar tudo de 6 em 6 meses, ninguém aguenta.

Mas isso não é um xingo, ok? Eu acho que moda pode andar de mãos dadas com inteligência e bom senso. Encará-la como uma grande corporação maligna que quer todo mundo branco e magro é um pensamento muito atrasado. Existe muito que ser visto e entendido num desfile e eu me surpreendi quando percebi que concluí isso.

Tampouco moda é uma arma de consumo. Vi algumas roupas nas passarelas idênticas a peças que eu já tenho no meu armário, basta combinar com outras peças ou acessórios. Realmente acho que a roupa, além de te manter vestido, serve para se expressar. É uma maneira de colocar alguma idéia do lado de fora – seja sua cor favorita em sua mochila ou o seu filme favorito na estampa da blusa. São ícones de sua personalidade.

O ideal é não levar tudo tão a sério e tomar um cuidado básico para não parecer ridículo: não ser nunca o primeiro nem o último a usar uma tendência.


(Desfile da V.Rom)

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Querido pai,

Estou lendo um livro muito interessante. Chama-se “Tudo Que Você Não Soube” e é sobre uma mulher que resolve escrever todos os segredos que manteve de seu pai e entregar os papéis ao homem, que se encontra em seu leito de morte, em um hospital.

Fiquei inspirado com isso e resolvi fazer este texto. Não vai lá ser um texto curto, eu bem sei. Como a moça do livro, vou omitir as partes que vivemos juntos. Trata-se de confissões, segredos e lama. Três quase-sinônimos em uma narrativa de cinema, mas não em um texto assim.

Não por pena, mas pelo apelo de continuidade, acho melhor começar pelas confissões mais leves.

Tem uma música da Alanis Morissette que se chama “Sympathetic Character” que, eu juro, foi feita por mim para você. Como diz a letra, eu sempre tive medo de você. Tanto das adagas verbais quanto da dor física mesmo. Eu não gostava do seu silêncio nem do seu volume. Acho que isso que hoje eu chamo de educação nos outros é apenas uma vontade secreta que sejam diferentes de você. Você fala sempre muito alto, tão indelicado. Mas nem é essa a questão dessa música. A questão é que, por ser jovem e sensível, você não achava que certos sentimentos me eram cabíveis. Dor? Rejeição? Intimidação? Ainda bem que eu parei de tentar te agradar bem cedo.

É que você nunca percebeu como eu tive que esconder muita coisa por causa disso, mesmo que estivéssemos no mesmo nível de ódio ou raiva pelo mundo. Sem contar que uma das poucas coisas que admiro em você é a sua capacidade de estar quase sempre alegre e com cara de quem nunca sofreu ou fez ninguém sofrer. Acho isso admirável, mesmo tendo total consciência que isso é resultado de você ser uma das pessoas mais ignorantes que eu já conheci em toda a minha vida.

Eu decidi parar de comer carne em 2009. Já parei totalmente com a bovina e a de frango. A de peixe tive e ainda estou tendo dificuldades (pois eu realmente amo sushi) e a de porco foi fácil, fácil. Sim, eu. Logo eu! Acho que tudo começou nas aulas de biologia da oitava série, estudando o sistema circulatório. Eu nunca mais fui capaz de comer o coração de uma ave. Coraçãozinho, como você diz. Era na hora que estava no prato, ou quando sentia o nervinho na boca, ou quando partia o órgão no meio. Eu me sentia o pior ser humano do mundo com essas coisas. E não só pelo ato de comer, mas olhando pelo lado poético. Estou comendo um coração! Isso não deve fazer bem pra minha alma. E depois vieram outros fatos e outras pessoas que me ajudaram na decisão, mas nessa parte da história você entra pois você é um carnívoro. De marca maior. Gosta de gado, carne, entende de cortes e de churrasco. Aliás, você não é o orgulhoso dono de um bar especialista em fazer espetinhos de carnes? Pois é. Um filho que não come carne não deve ser motivo de orgulho para alguém como você. É igual ter um filho boiola.

Lembra que eu falei sobre confissões mais leves primeiro? Pois é. Repare que maravilha de construção teve o parágrafo acima. É, você leu certo. Mas, caso não tenha entendido, aí vai: eu sou bicha. Bicha, não né? É politicamente incorreto falar assim (e ilegal em alguns países, sabia?), mas eu sou homossexual. Ok, e essa palavra tem consoantes demais – incluindo dois Ss e um X! Que tal falarmos apenas gay? É a palavra ideal, apesar de ter um Y.

Jurei que, depois do show da Madonna, ia te contar sobre isso. Afinal, todo mundo já sabe e, obviamente, você suspeita(va). Antes que você me telefone gritando, já aviso: não, eu não dou a bunda; sim, eu já peguei mulher – ainda pego as vezes pois elas têm algo que homens não têm: seios. Mas elas são muito chatas e metódicas. Enquanto os homens são bobos e, por conseqüência, mais fáceis de lidar, levar, comer e conviver. Isso faz parecer que minha vida se baseia nisso, não? Mas saiba que eu conto nos dedos com quem já fui pra cama, que eu nunca tinha bebido antes dos 18, que eu nunca sequer experimentei nenhum tipo de droga ilegal, que eu tenho um sistema de crenças baseado em Deus e na Cabala e que eu tenho um emprego de verdade. Você tem muito mais motivos para se orgulhar de ser meu pai do que eu tenho para me orgulhar de ser seu filho.

Com amor,

Gabriel

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

O filme do cachorro e o filme dos skatistas

Esta semana eu vi dois filmes bem diferentes. O líder de bilheteria do momento, “Marley & Eu”, e o cultuado “Paranoid Park”, em uma mostra de cinema sobre filmes que passaram batido pelas salas no ano anterior.

“Marley & Eu” acompanha a vida de um casal que tem um cachorro labrador cujo nome dá título ao filme. A história é uma gracinha, não se trata de um cachorro inteligente, ou que fala. Ele é um cão normal, de um casal que quer começar uma família. Não há espaço pra filosofia numa película assim, mas ninguém quer filosofia por aqui. Minha irmã de 14 anos não parou de chorar pois, de fato, é um filme engraçado mas sem ser pastelão e as partes sérias são delicadas, sem contar que a trilha e a fotografia são realmente geniais. Um ótimo filme para se ver em família e, definitivamente, para se ver no cinema.

Já “Paranoid Park” é uma situação completamente diferente. Dirigido por Gus Van Sant, ele me levou de volta à minha pré-adolescência. Não, eu não fazia parte de um grupinho de skatistas como Alex, o garoto do filme, mas eu vi nele muito de como eu era, uma mistura de não se importar com nada e de ter medo de muita coisa.

O longa não é cronológico e fala, basicamente, sobre um assassinato bizarro que acontece perto de uma pista de skate. Assim, todos que praticam o esporte são suspeitos ou, no mínimo, objeto de estudo dos investigadores do caso. É curioso como o diretor enfatiza momentos das filmagens que, em outros filmes, nada está acontecendo. Com slowmotion, podemos notar – além de manobras ótimas em várias cenas – uma diferença de olhar que diz muito sobre o personagem. Tudo isso ainda é sublinhado com a trilha (uma música que normalmente seria usada numa cena de muita ação, aqui é aproveitada na hora em que Alex anda em um dos corredores da escola, por exemplo). Há uma economia de palavras também e achei isso estimulante. É um filme muito bem costurado que, apesar de tenso, me fez sair leve do cinema.

De uma forma muito, muito diferente, gostei dos dois filmes.