quinta-feira, 19 de maio de 2011

Esteja aqui


Na última semana eu estava cercado de pessoas muito agradáveis. Metade dessas pessoas era formada por amigos de longa data, outra metade por novos conhecidos com quem me dei muito bem. Tínhamos bebido, estávamos dançando e cercados de pessoas animadas, fazendo a mesma coisa. No primeiro silêncio de falta de assunto, o rosto de todos eles brilharam. Mas não estou sendo metafórico.

Era o reflexo da tela do celular de todos eles. Verificando suas contas e citações no Twitter, Facebook e outras redes sociais. "O momento presente deixou de ser divertido, vou me atualizar sobre o momento presente dos outros". Parecia que a ação coletiva era essa. Eu não tenho esse hábito móvel. Eu trabalho no computador e online, e sempre dou uma olhada nesses sites mas, quando desligo o PC, me desligo deles. Por isso essas coisas me irritam, acho. Dá vontade de tacar os aparelhos alheios na parede, gritar “vida real!” e sair correndo pelado na rua. Mas eu me controlo.

Como disse Seinfeld, é como se a pessoa pegasse o telefone e comparasse aquele conteúdo com o que você está dizendo e decidisse o que é mais interessante. Como se ninguém conseguisse ficar focado numa coisa só por mais de alguns minutinhos. Como se essa grosseria não fosse equivalente à de abrir uma revista na sua cara enquanto você está falando e começar a ler suas páginas.



Isso tem um nome, sabia? É FOMO, sigla de “fear of missing out”, ou seja, “medo de perder alguma coisa”.

Jeena Wortham, do New York Times, escreveu um texto muito bom sobre isso, algo que todos nós já fomos testemunhas (ou somos participantes) sem entender direito mas sabendo, quase instintivamente, que algo nisso está errado.

O que as pessoas fazem, na verdade, é comparar o que estão fazendo e onde estão com o que os outros estão fazendo e onde eles estão. É como se houvesse um medo de que, estando aqui, você está desperdiçando sua oportunidade de estar naquela festa cuja foto alguém acabou de colocar no Facebook.

Parece rídiculo, é compreensível, mas não é nada mais que verdade. Se você está aqui, você não está em outro lugar. É muito simples. A vida toda, desde o começo, foi assim. Se você está com essa roupa, não está com aquela outra; se casou com fulano não casou com beltrano. Mas é que antes você não sabia em tempo real o que está acontecendo no resto do mundo em paralelo, né?

Tem um personagem no filme “Mensagem Para Você” (recomendo muito!) que faz uma observação interessante nesse sentido. Ele conceitua o vídeo cassete como um aparelho que serve para gravar a programação da televisão quando você sai de casa. Mas conclui que parte do objetivo de sair de casa, muitas vezes, é exatamente o de não ver TV. Certo?

De volta à matéria, a jornalista conta sobre uma amiga que se sentia de bem com a vida até abrir o Facebook e ver o status de alguém falando, por exemplo, que teve um filho, enquanto ela tem 28 anos e três colegas de quarto. Nessas ocasiões, ela disse, sua reação instintiva é, com frequência, postar um relato de uma coisa legal que fez ou uma foto divertida do seu fim de semana. Isso a faz se sentir melhor, veja bem. E, claro, deve provocar FOMO em outra pessoa.

Sherry Turkle, uma professora do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, diz que à medida que a tecnologia se torna mais onipresente, nossa relação com ela se torna mais íntima, conferindo-lhe o poder de influenciar decisões, humores e emoções. Mas é só se a gente deixar, claro. Suas redes sociais não precisam ser um reflexo fiel da sua vida real - listando o que você faz ou onde está e com quem - o tempo todo.

Tanto, que a jornalista perguntou a Turkle o que as pessoas poderiam fazer para lidar com esse dilema estressante do FOMO. Ela simplesmente disse para deixar o celular de lado um pouco.

E aí, você consegue?

segunda-feira, 9 de maio de 2011

O homem das cavernas em você

Acabei de ler um texto muito bom (esse aqui ó) sobre como um simples batom na cara de uma moça faz um bando de homens correrem atrás dela como cães atrás de uma fêmea no cio.

Não defendo assobios nem xingamentos na rua, mas é inegável que esses traços evolutivos têm resquícios complicados de escapar - você acha que churrasco é um evento social divertido inventado pela galera da facul ou uma variação de um ritual cavernoso de assar a carne da caça dançando em volta da fogueira?

Outra coisa é que batom vermelho - e rosa, e vermelinho na bochecha (chama blush, né?) - comunica mais do que essas mensagens sociais que ela identificou na festa onde foi. A gente cora quando está sexualmente excitado. Isso é fato. E há algo de primitivo em ver isso escancarado pra gente, em ver uma pessoa rubra. As primeiras a perceberam isso foram as egípcias. Qualquer dia, zapeando pelo History Channel ou pelo Discovery, você pega um documentário sobre o assunto.

Mulher maquiada chama atenção pois parece excitada. Quadris largos chamam atenção pois são uma garantia de que a moça vai conseguir parir meus filhos. Mulheres de salto chamam atenção pois lembram patas de mamíferos. Homens musculosos são bons de caça e vão prover bem para minha família. Isso tudo passou, passou, mas foi empacotado de um jeito diferente pra nossa sociedade, que agora tem outros valores.

Os códigos que caem não são substituídos por outros, o que gera confusão. O que funciona ali, é brega aqui, etc. As regras sociais tem diferenças gritantes dentro da mesma cultura. O cara que quer te conquistar chamando pra beber pinga e dançar um funk leva um tapa seu, mas leva a virgindade de outra. Tem gente que acha isso legal, e não aquelas coisas que você gosta. Por isso todo mundo tende a ficar mais fechado nos mesmos ciclos. As outras realidades não nos dizem respeito. Fora do nosso ciclo, sempre achamos que estamos diante de um grupo de canibais que compensam com X aquilo que lhes falta em habilidades sociais. Sendo X um tipo de música, de roupa, de celular, uma profissão, um hábito...

Outra coisa que tem a ver é que a moça que colocou um short curto pois estava com calor não merece ouvir os mesmos assobios na rua de quem colocou o mesmo short justamente para ouvi-los. Mas não tem como alguém de fora saber o objetivo dela ter usado aquela roupa, certo? Mas tem como ninguém assobiar também, não tem?

Mudando de assunto, mas ainda nesse: dias desses constatei uma coisa meio estranha. Quando me xingam de viadinho na rua eu não posso fazer nada. Mas tenho um amigo gay que sempre grita alguma coisa de volta. Ele é forte. Malhado de academia, mesmo. Fiquei pensando nisso um tempo. Xingam ele e ele revida, apelando para a força, chamando para a briga. “Vem aqui apanhar do viadinho então, vem!”. O valentão que gritou sempre corre. Primitivo, não? Das duas partes!

Mas funciona.

domingo, 1 de maio de 2011

A bolha hétero

O discurso de um colunista sexual gay sobre os héteros hoje em dia. Tem um pouco a ver com o que eu escrevi aqui, lembra? Veja o vídeo. É bem interessante.



Eis algo curioso sobre essa coluna que faço há tantos anos. Dos 17 aos 25 anos, quando comecei, odiava os caras héteros. Quando comecei a coluna era uma piada e eu era mal com héteros. A ideia era ter uma coluna de conselhos que fosse o contrário daquelas homofóbicas, sendo heterofóbica. Por um tempo fui todo "fuck you, straight people, fuck you, straight guys, I fucking hate you! Vão se fuder"

E os héteros meio que gostaram e eu comecei a receber várias cartas de homens seguindo meus conselhos. Alguns anos depois, como o Grinch, meu coração cresceu e, de repente, eu amava os héteros. Não daquela maneira estranha que eles se amam, mas sim de uma forma platônica. Pois eu comecei a ter pena deles.

"Eles mandam no mundo, eles mandam no mundo". É, mas mandar no mundo não é tão glamuroso, alguém tem que mandar no 7/11 e no Taco Bell e quem quer fazer isso? Deixe com eles. Mas, sexualmente, eles são miseráveis. E quem os deixa assim? Mulheres, gays e outros héteros.

A identidade heterossexual, desde o começo dos movimentos de direito civil das mulheres e dos gays, tem sido ameaçado, digamos. De alguma forma, nos anos 60, quando os gays começaram a sair do armário, de repente era gay ter seu pau chupado - não apenas chupar um pau.

Se você é um cara hetéro na América, hoje, o que te faz hétero é não ser menina e não ser bicha. Então tudo que meninas fazem ou gostam ou que bichas fazem ou gostam é proibido. E você quer manter seu currículo de hétero, então homens héteros não podem ter sentimentos, não podem ter mamilos - todo dia eu recebo cartas de héteros dizendo "eu gostaria de ter meus mamilos estimulados enquanto chupo minha namorada, sou gay?" Não! Nenhuma quantidade de carinho no meu mamilo faria uma vagina tolerável pra mim! Pode ligar a bateria de um carro neles e não funcionaria.

Não podem ter sentimentos, não podem se preocupar com o que vestem ou com suas aparências e há esse terror de que alguma coisa no sexo deles não é "normal". Uns caras acham estranho pois só gostam de cachorrinho e isso deve ser gay, pois ser gay tem a ver com bundas, né?

E recebo cartas das namoradas também. "Meu namorado deve ser gay pois ele gosta de cachorrinho, de estimulação nos mamilos, pois ele corre pra casa pra assistir 'ER'". E que triste é ser hétero e ter o mundo todo fechado pra você.

Meninas vão para a faculdade e têm experiências lésbicas, até se identificam como lésbicas por um tempo, e depois se formam e falam "ah, no que eu estava pensando? Eu gosto de pinto". E héteros se casam com elas e acham isso legal e pedem pra ouvir à respeito, mas héteros sabem que elas são hétero agora. Eles não pensam "você é lésbica, eu sei que é, pois você não teria feito essas coisas se não fosse uma lésbica secretamente e pra sempre".

Mas se um héteros conhece, digamos, apenas um cara e eles dão uns pegas uma noite, bêbados, e os amigos descobrem, ou se sua namorada descobre... A piada é "você constrói mil pontes e ninguém te chama de engenheiro, mas chupe um pinto e você é bicha pro resto da vida". Que tristeza!

Tem uma bombeira lésbica que trabalha perto do meu escritório e uma vez ela passou por mim e eu dei uma checada nela. Depois pensei "nossa, é uma mulher!". Agora é uma piada nossa. Ela chegou pra mim e me disse isso. "Você quer trepar comigo, mesmo sabendo que sou mulher!" e é verdade, eu treparia com ela. E isso não me faz menos gay. Há uma mulher, no mundo inteiro, com quem eu transaria. E, héteros, não te faz menos hétero ter um homem no mundo que desperte algo assim, de alguma forma, no seu cérebro. Chace Crawford que seja! Crossdresser não te faz menos hétero. Você gosta do que você gosta.

Se seu sexo envolve um homem e uma mulher é sexo heterossexual, não importa o que vocês façam. Nem se ela enfiar o dedo no seu ânus. Não é um interruptor que vai te transformar em gay! Se ela coloca o dedo lá e você gosta, você está gostando daquela "straight finger in the ass action"! Recebo milhões de cartas com essa de "eu gosto de fio-terra, diga-me que não sou gay", de homens e de suas namoradas. Mas não recebo cartas de gays falando que os namorados deles gostam de ver filmes pornô com mulheres. Eles não pensam "ai meu deus, ele deve ser hétero!"