domingo, 24 de janeiro de 2010

Eu não tenho uma tribo

Todo mundo fala muito da discriminação que existe entre as pessoas baseada em sua cor, religião, corte de cabelo ou status social. Acontece que isso é apenas o reflexo do desejo de sobrevivência da identidade de uma tribo. O problema é tratar mal os diferentes, não é se cercar de iguais.

É, caminhamos bilhões e bilhões de anos de evolução, mas ainda não conseguimos escapar dessa programação genética que nos trouxe até aqui. É impossível negar. Você pode ser a pessoa mais mente aberta do mundo e se dizer desprovido de qualquer preconceito, mas não consegue namorar uma pessoa que ouve tal e tal banda.

Não vivemos de instintos primários, como um crocodilo ou uma ameba qualquer, mas o que achamos ser livre-arbítrio é apenas a liberdade de escolha dentro de padrões limitados e pré-determinados pela tribo. Impossível negar que é muito mais confortável estar com gente que tem um padrão de vida parecido com o seu e que freqüenta os mesmos lugares, que tem os mesmos valores.

Cada uma de nossas células é governada por DNAs irmãos, proteínas que não tem olhos para ver o mundo em branco ou preto. Enzimas que não sabem se você é hétero ou gay. Mitocôndrias que não têm ideia do valor do seu contra-cheque. Foda-se. Ninguém pensa assim.

Para ouvir depois de ler: Earth Intruders - Björk

domingo, 17 de janeiro de 2010

Os monstros mudaram de endereço

Todos os mocinhos e moiçolas já foram assistir “Onde Vivem os Monstros”, certo? O longa metragem é a primeira investida infantil do cineasta Spike Jonze e tem levado ao cinema todo tipo de gente, exceto crianças.

Ele foi baseado no livro de Maurice Sendak, original de 1963, que contém bem poucas páginas. Tão poucas que quando você termina de ler, fica se perguntando como farão um filme de duas horas sobre aquilo.

Depois de uma briga com a mãe e com a irmã mais velha, um garotinho chamado Max sai correndo de casa. Corre tanto que chega ao litoral, pega um barco e vai parar numa ilha cheia de enormes monstros. Ele não se intimida, faz contato com eles, conta umas mentiras sobre si e acaba sendo nomeado como rei do lugar.

A trilha foi merecidamente indicada a prêmios e elogiada pela crítica. Karen O., vocalista da banda Yeah Yeah Yeahs, fez um trabalho muito sensível e divertido em vários momentos.

No livro, nenhum dos monstros encontrados por Max tem um caráter definido – sequer têm nome. Isso é óbvio para quem já leu a obra e pôde perceber que ela tem nada mais que nove frases. Isso, claro, dá muito espaço para Jonze, que também escreveu o roteiro, transformar a história no que ele quiser, basicamente. As ilustrações, também de Sendak, são representadas fielmente por criaturas que misturam fantasias de pelúcia com computação gráfica.

Monstros sem nome, personalidade ou gênero definido ganham todas essas características e mais um monte de complexidades inimagináveis e extremamente humanas, incluindo um casal que recentemente terminou um relacionamento e está em dúvida se volta ou não.

O filme causa estranheza, pois é totalmente inverso à lógica de se contar uma história – especialmente se ela for infantil. O roteiro é sugestivo em momentos que devia ser objetivo e deixa espaços vagos na hora das explicações lógicas. O que interessa, basicamente, é ver como as criaturas criadas pela imaginação do garotinho são reflexos do que ele pensa sobre o mundo dos adultos. Se não for visto assim, os acontecimentos do longa não parecem nada mais do que uma série de eventos aleatórios.

Mas, olha, a história é o hype do verão – mesmo que ninguém tivesse ouvido falar nesse livro antes –, então não quero parecer um reclamão que só não gostou pois todo mundo gostou. Pelo contrário!

O que quis dizer é que o filme é lindo, a fotografia é maravilhosa, as músicas são excelentes e a história encanta. O que me incomodou foi a liberdade poética absurda que permitiram Jonze de ter. Sei lá. Ele devia ter escrito um roteiro sobre sua infância - e não ter saído por aí se intrometendo na história dos outros.

Para ouvir depois de ler: Karen O and the Kids – Where The Wild Thing Are OST

domingo, 10 de janeiro de 2010

Palestra gratuita sobre Cabala

Por causa desse recurso do blog de sugerir textos antigos, acabei passando por esse, sobre minhas supostas últimas palavras sobre Cabala. Reli e percebi que eu falei minha opinião sobre o assunto, mas não expliquei o que ela é.

Resolvi mudar isso e comecei a escrever sobre Cabala, explicar origens e conceitos. Todos os textos ficavam longos demais, eu queria explicar coisas demais. A Cabala fala sobre um código secreto que governa o universo, é um sistema de lógica e de conexão entre todas as ações do mundo. É essa complexidade que me impede de fazer um texto sobre o assunto que seja claro, completo e que não seja longo.

Foram várias versões até que vi que o Kabbalah Centre vai dar uma palestra introdutória sobre Cabala e que ela vai passar ao vivo na internet gratuitamente. Acho que indicá-la faz mais sentido. Quem estiver interessado é bem vindo nos links abaixo em suas respectivas datas e horários.

Domingo | 10 de Janeiro | 18h
Para acessar o link, clique aqui


Quarta | 13 de Janeiro | 20h30
Para acessar o link, clique aqui

domingo, 3 de janeiro de 2010

Julie, Julia, Meryl, Amy e Nora!

Senhoras e senhores, estou encantado com “Julie & Julia”, filme que acabo de ver, estrelando Meryl Streep e Amy Adams, até-então-moça-de-um-papel-só. Mas preciso, antes de falar dele, apresentar-lhes sua diretora.

Nora Ephron pode ser alguém que você nunca ouviu falar antes, mas ela está por trás das melhores comédias românticas já feitas. Nenhuma delas é estrelada por uma Julia Roberts esperando que um homem rico a salve. Um traço de Nora é exatamente ter heroínas independentes como protagonistas e também dar um pouco mais de voz ao homem – coisa que raramente acontecia no gênero.

Por isso ela brilhou absurdamente em longas como “Harry e Sally – Feitos Um Para o Outro”, de 1989, “Mensagem Para Você”, de 1999, e como roteirista de “Linhas Cruzadas”, de 2000. Apesar desses méritos – que até lhe valeram três indicações ao Oscar –, ela também é a culpada pelo fracassado “Bilhete Premiado”, de 2000 e pela absurda adaptação de “A Feiticeira”, de 2005 – o que foi essa ideia e como assim um filme sem Larry Tate?

Enfim, esses deslizes valeram um suspiro dos profundos e eu acabei esnobando “Julie & Julia” um tempo. Mas, convenhamos, sabia que não era uma comédia romântica, que era baseada em fatos reais e, ora, se tem Meryl Streep no elenco então a gente precisa ver! E se tem Meryl Streep e não tem o James Bond cantando Abba, melhor ainda.

O longa traça um paralelo entre a vida de Julia Child, famosa autora de livros de culinária e apresentadora de TV, e a de Julie Powell, que quer cozinhar todas as 524 receitas do livro “Mastering the Art of French Cooking” no período de um ano enquanto posta na web sua experiência. O filme é, portanto, baseado em livros, cartas e em um blog.

É curioso se surpreender com Meryl Streep. De fato uma das melhores e mais versáteis atrizes de Hollywood, ela tem como hábito surpreender as pessoas. Surpresas são inesperadas e, se forem rotineiras, deixam de ser surpresa. Esse antagonismo é que me deixa intrigado com o talento dela. Como ela consegue? Já sobre Amy Adams, lembro que assisti “Encantada” e pensei “essa menina vai viver para sempre sendo lembrada por esse papel”. Ledo engano. Julie não é a persona mais complicada de interpretar, mas a imagem de princesinha da Disney não chega perto desse longa. Stanley Tucci também está adorável como marido de Julia.

Esse é um desses filmes que fazem todo mundo sair da sala de projeção com algum plano na cabeça, com uma vontade de mudar algo. Uma reorganizada no armário que seja. Alguns vegetarianos não vão gostar de algumas cenas, mas faça como eu e coma algo antes de entrar no cinema. A tentação nem chega perto daquelas cenas quase pornográficas do filme “Chocolate”, por exemplo, mas existem alguns momentos onde você ouve um coro de “hummm” por entre as poltronas.

Apesar de todo mundo se deliciar no desenrolar da história, senti que faltou um desfecho. É como se o filme acabasse no meio, o que me levaria a chamar sua existência de sem propósito se eu já não tivesse aprendido a lição mais sagrada da sétima arte: não deixar que sua opinião sobre o final apague o prazer que você teve ao longo do filme.

Para quem ficou interessado na história, eis o link do blog de Julia Powell aqui! Bon appetit!

Para ouvir depois de ler:
Simple Kind of Life - No Doubt

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

O primeiro dia seguinte

Apesar de toda a bebedeira e festa da noite anterior, o primeiro dia do ano acaba por me deixar melancólico. Inevitavelmente penso sempre que minha vida não mudou. A falação de “no próximo ano será diferente” sempre acaba por me atingir de forma literal e imediata. Assim, quando acordo no dia primeiro de janeiro e me vejo ainda morando no mesmo lugar de ontem e usando as mesmas roupas de ontem, me dá isso.

Uma absoluta bobagem, eu sei. Pois mudanças grandes raramente acontecem de um dia pro outro. Mas a coisa que mais me evitou ter esse sentimento nesse primeiro de janeiro de 2010 foi constatar que sim, minha vida mudou bastante. Não foi de ontem para agora, mas ao longo de 2009.

Perdi amigos, fiz amigos. Fiquei muito feliz de ter olhado pra trás e ter visto cada lágrima ter valido à pena. A dinâmica das minhas amizades agora é outra, minhas prioridades são outras, minhas companhias também são. Finalmente terminei a faculdade e concluí essa primeira parte de uma subida ainda longa. Esse alívio me deixou mais livre para apreciar a vista e me divertir um pouco antes de voltar a escalar.

Li bons e valiosos livros, vi bons filmes, cantei alto. Me reconectei com conceitos que havia deixado de lado e superei algumas barreiras preconceituosas. E consegui terminar um dos anos mais complicados que tive apaixonado por alguém que me ama de volta. E não existem fogos de artifício capazes de reproduzir esse sentimento.

Para ouvir depois de ler: Thank U - Alanis Morrissette