segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Prodepressivo


Nas últimas décadas, a indústria e a ciência desenvolveram remédios muito eficientes e com menos efeitos desagradáveis para tratar ansiedade, depressão e déficit de atenção, entre outras manifestações psíquicas. Isso é muito bom: tratamento mais seguro e eficiente para quem precisa. Para quem precisa. Mas estou achando que todo mundo se vê nessa lista.

É meio estranho como é moda falar que está estressado e deprimido. A doença do momento, por exemplo, é a bipolaridade. Mas se você tem variações de humor, você é normal. Bipolar é um transtorno psicológico grave. Sim, transtorno. E muito complicado de ser diagnosticado mesmo por profissionais. Piadinhas não deviam entrar nisso.

Tristezas, inseguranças, ansiedade e inquietações são normais na vida de qualquer um, mas passaram a ser facilmente medicados, tirando um pouco nossa responsabilidade de lidar e de resolver conflitos. A mãe vê o filho chorando e leva ele para a farmácia ao invés de sentar e conversar. Vivemos numa época onde as pessoas acreditam que é possível viver sem sentir nenhum tipo de dor física ou psíquica. Basta uma fincadinha na cabeça ou um mero ar nostálgico e já corremos para tomar uma aspirina ou um antidepressivo?

Se tem uma coisa que aprendi – e que já foi explorado aqui nesse blog – é que felicidade eterna não é algo alcançável. Felicidade é uma coisa mutável e, por baixo de suas oscilações, deve haver sim é uma paz de espírito.

Isso tudo sem contar que um remédio como Ritalina é um derivado da anfetamina, por assim dizer, e pode causar dependência. Ele deve ser usado por quem precisa e não por quem está atravessando uma fase de mais inquietação. E, do jeito que andamos, nem percebemos nosso vício. E eles estão começando cada vez mais cedo.

Que tal checar como andam seus pensamentos, valores e sua rotina antes de ingerir alguma nova pílula? Uma das suas missões – ou obrigações - é exatamente essa, aprender a lidar com emoções desagradáveis. A vida é sobre isso e obstáculos só existem para que sejam superados.

domingo, 19 de setembro de 2010

Os normais


Estou aproveitando todos os meus momentos vagos para ver todos – sim, eu ousei dizer todos – os filmes que quis ver e ainda não pude. Alugando, baixando, pegando emprestado, estou tentando passar pelas minhas vistas os requisitados clássicos, como “Duck Soup”, até alguns títulos mais novos, como “Os Excêntricos Tenenbaums”.

A família Tenenbaum é, literalmente, genial. Chas é um investidor pleno aos 11 anos; Ritchie é um fenômeno do tênis e Margot, adotada, é uma dramaturga que escreve sua primeira peça aos 9 anos. Já Royal, o pai, é um canalhão que, chutado para fora de casa pela esposa, Ethel, vai à falência. Respectivamente, estamos falando de Ben Stiller, Luke Wilson, Gwyneth Paltrow, Gene Hackman e Anjelica Huston. Além deles, temos Bill Murray e Owen Wilson no elenco.

A primeira questão é que uma vez genial nem sempre genial. Os filhos, já adultos, somam alguns traumas recentes com a sensação de estarem congelados em seus momentos de glória do passado. Isso é chocante, digamos assim, para o pai, que finge estar para morrer afim de se reaproximar da prole, arrependido de suas sacanagens passadas.

Não é o argumento mais original da história do cinema, mas o desenrolar é magnifíco. É gostoso acompanhar como, a cada momento, as situações parecem ficar mais malucas – como, por exemplo, descobrirmos que um dos irmãos está apaixonado pela irmã adotiva e como um amigo de infância, que sempre quis ser um Tenenbaum, hoje é traficante de drogas.

Wes Anderson, o diretor, conta a história como que em capítulos de livros e cria um cenário muito peculiar e uma imagem bem diferente de Nova York. Aqui, só vemos prédios residenciais, um Central Park vazio e ruas sem táxis amarelos.

Não quero me aprofundar em críticas, apenas deixar registrado como achei esse filme belo - sendo "belo" tudo aquilo que causa alguma reação na gente. É para rir, chorar e se emocionar. Seja por se identificar com todos ou nenhum dos personagens. Como diz o pôster do longa, família não é uma palavra, é uma sentença.

Para ouvir depois de ler: Nazareth – Ruby Tuesday

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

No meu tempo, o amor...

Tirando a época em que era ministrada por um pastor evangélico, sempre fui muito com a cara dos meus professores de filosofia, sociologia e semiótica. Há algo nesses estudos que deixa a pessoa mais em paz no relacionamento dela com o mundo.

Em uma dessas aulas, lembro de um professor contando histórias sobre sua filha caçula e rindo muito dessas pessoas que dizem que quem não brincou na rua ou escalou árvores não teve infância. Afinal, são experiências diferentes. Nem melhores, nem piores, apenas diferentes. Nos tempos dos nossos bisavôs, o povo casava com 15 anos de idade. O conceito de infância é algo que muda de acordo com a época, a religião, a cultura etc.

Na verdade, penso que é assim com quase todos os assuntos. Pessoas mais velhas do que eu, mesmo as que usam com maestria o computador, tendem a usá-lo de forma que ele termine seu serviço ali, ou seja, não interagem com ninguém através dele. Para essas pessoas é praticamente impossível explicar como, via internet, nascem amizades e amores.

A era digital mudou toda a forma prática da sociedade e o amor entrou nisso junto. Ele, que também muda conforme mudam os meios pelos quais se estabelece a relação com o corpo do outro, está tão inserido no mundo virtual quanto qualquer outro tópico. Desde sempre, em relacionamentos, saímos do nosso aconchego e atravessamos um espaço de dúvidas para encontrar o outro. Esses questionamentos – ou obstáculos? – são ideológicos, religiosos, estéticos, políticos. E o que o amor na era digital permite é o de passear por ele, explorá-los um pouco mais, antes de pular de ponta no desconhecido.

Antes, exáminavamos a aparência da pessoa, sua presença e seu cheiro, para ver se valia à pena ir mais fundo, e descobrir sua personalidade, caráter e valores. Mesmo que só cliquemos nos avatares que nos chamam atenção esteticamente, acho que essa ordem se inverte e, no mundo virtual, a pessoa não tão atrativa chamará mais atenção que uma pessoa mais bela se tiver interesses em comum declarados – mesmo sendo no formato de uma comunidade do seu livro ou filme favorito.

A mais nova versão do amor para além do corpo é esse amor digital, que é sem corpo! A pessoa te causa uma sensação boa com palavras que te manda por e-mail, MSN, SMS e, então, amor digital, nesse sentido das palavras, joga fora o corpo, mantendo apenas o que nos liga a ele sem que ele esteja entre nós: o intelecto.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Quem é você no dia?


Querem me fazer acreditar que todos os gays são obrigados a saber o que se passa no que chamam por aí de mundo pop. Quer dizer, estou dentro do clubinho se assistir novela, ler sites de fofoca, sair para boates todos os dias e saber cantar as músicas de uma cantorazinha menor de idade que usa um cifrão no lugar da letra S.

Se você ainda não viu o último tombo da Shakira, no show em Lima, você não é ninguém na noite. Ninguém vai querer conversar com você, não importa os filmes e livros clássicos que passaram pelos seus olhos, essa é a informação relevante do dia, a nova tatuagem da Rihanna. É rei do mundo purpurinado quem tem vasto conhecimento nesse raso mundinho.

Isso me irrita. É que depois de virar madrugadas lendo “Os Miseráveis” e de ouvir Beatles ainda em vinil, eu me sentia um idiota ao ler “Poliana” e ouvindo Britney Spears. Saber diferenciar bom e ruim pode não ser suficiente na hora do gosto e não gosto. Mas cheguei à conclusão de que cada coisa desperta algo diferente em mim e que há espaço para tudo se eu souber hierarquizar de forma clara aquilo que contribui para o meu caráter e aquilo que é pura diversão efêmera, como lasanha congelada.

É um absurdo colocar todos no mesmo pote, mas me vejo tão rodeado de gays que só se preocupam com modinhas que temo por eles no futuro. É muito mais social, eu acho. Afinal, os que não souberem tratar de certos assunto são excluídos de uma minoria que já não é assim tão incluída na sociedade. Ou seja, chegamos num ponto do aceitamento social do gay entre os gays onde ele precisa esconder seu José Saramago debaixo da sua blusa da Mariah Carey. É uma maluquice isso.

Alguém me salva?

Não é que eu não me divirta entre eles. Eu ouço Lady Gaga, eu gosto de dançar, eu uso skinny jeans. Mas há tão mais do que isso no mundo, meu caros! Tão mais!

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Quer ser meu amigo?


“Diga-me com quem andas e te direi quem és” é um ditado exagerado – ter amigos diferentes de você faz parte da graça deles. Mas é fato que ter amigos já sinaliza algo. Amizade, para mim, vem antes de outros tipos de relacionamentos, como os amorosos ou paternos, pois trata-se do primeiro objetivo moral da vida de qualquer ser humano de cultura. Ter amigos é ser alguém.

Um amigo que te traiu pode voltar a ser seu amigo? Uma malvadeza, digamos assim, torna tudo inválido? E quando a situação é a de um amigo que traiu um outro amigo seu, como fica? Do lado de qual amigo você fica, como medir qual é mais amigo? Um coração partido por uma amizade cicatriza mais rápido?

Para Aristóteles, saber ser amigo equivale a ser ético e é aí que entra essa questão, ao meu ver. Para ser amigo, basta alguém que sabe o que é o mal, mas deseja o bem. Penso assim e, por isso, vejo certa exclusividade na amizade. Reparou que quem leva a sério amizade costuma dizer que tem poucos amigos? Acho que é por aí. Não dá para considerar qualquer chapa de boteco seu brother e confessor particular. O que não quer dizer que não se possa ser agradável e sorridente a muitos – mas é que um amigo verdadeiro merece mais que isso.

Não há amizade que se sustente por interesses – e cabem nessa categoria mais coisas do que podemos imaginar. O amigo, como pessoa, não pode ser um meio para um fim, como status, dinheiro ou qualquer tipo de vingança, e esses interesses às vezes vem em forma de armadilhas tão bem planejadas que a mais perspicaz das pessoas é capaz de não enxergá-las.

Como em todos os relacionamentos, são as coisas relevantes do começo que se tornam insuportáveis no final. Saber analisar isso é a chave. Só me basta dizer, nessa minha reflexão existencial boba de hoje, que a amizade deve ter fim nela mesma e que cada um deve saber de si.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Algo que pensei nos últimos dias

Foi Santo Agostinho, no terceiro século da idade média, quem percebeu pela primeira vez a conexão da inveja com a constituição primeira do ser humano. Ele elaborou uma frase sobre seu significado: “Video, sed non invideo”, ou seja, “vejo, mas não in-vejo”. Quer dizer, então se vejo, posso invejar. O erro – não dele e sim nosso – é atribuir inveja ao desejo pelos objetos dos outros apenas. É possível ter inveja em vários níveis, inveja da aparência e dos valores de terceiros até.

Exemplo? Que tal um estudo da Universidade Estadual de Washington sobre egoísmo? Ele demonstrou que certos atos de altruísmo, ao invés de melhorar a nossa reputação, podem fazer com que os outros não gostem da gente.

Em uma série de testes, os pesquisadores dividiram os voluntários em grupos de cinco e deram a eles “pontos”, que poderiam ser guardados ou usados para “comprar” vales-refeição. E disseram que abrir mão dos pontos aumentaria as chances do grupo de receber uma recompensa em dinheiro. Na verdade, enquanto a maioria fazia trocas justas de um ponto por um vale, alguns dos membros dos grupos eram atores e agiam, propositalmente, de forma egoísta, segurando todos os pontos para si, ou altruísta, abrindo mão de vários pontos em troca de menos vales, para que o grupo todo recebesse a recompensa final.

O que aconteceu foi que, ao final, a maioria dos voluntários de verdade disse que não gostaria de trabalhar com os egoístas de novo, obviamente. Mas a surpresa foi que grande parte deles também declarou o mesmo sobre os bonzinhos.

Pois é, até a pesquisa diz, bonzinho só se fode. Esse ressentimento está associado à inveja, acho. Pois vem muito mais de uma vontade de “ser como aquela pessoa” do que “não quero que aquela pessoa seja assim”. Tanto, que era a caridade dos colegas desprendidos que fazia os outros se sentirem mal – é que, no meio dos diferentes, se você acha que eles têm razão, você se sente pressionado a agir da mesma forma.

Na mesma linha de raciocínio estão todos esses que têm preguiça de discutir sustentabilidade, vegetarianismo, reciclagem de lixo, autoconhecimento, consumo consciente. Eles sabem que são ideias e conceitos mais corretos do que aqueles que levam em sua vida pessoal, mas a falta de força de vontade para mudar traz uma culpa por ter essa preguiça de fazê-lo – e é ela que alimenta essa inveja travestida de raiva travestida de indiferença. Admitir que se fez algo errado é bom, mas não torna o erro melhor.

Não estou propondo muitas discussões aqui. É só algo que pensei nos último dias.

Para ouvir depois de ler: Oh No! - Marina and the Diamonds