Márcia Tiburi é graduada em filosofia e artes e mestre e doutora em filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escreveu vários livros de filosofia e recentemente lançou o livro “A Mulher de Costas”, segundo romance da Trilogia Íntima. A primeira parte, “Magnólia”, foi finalista do prêmio de literatura Jabuti em 2006. É também professora, colunista de revistas e integrante do programa “Saia Justa”, do canal GNT. Foi uma entrevista recheada de gesticulação, sinergia, risos e palavras difíceis. Não difíceis daquelas que ninguém sabe o significado, mas daquelas que deixam a fala bonita. Das que me deixavam em dúvida entre admirar a inteligência dela ou me envergonhar da minha ignorância.
P: Os dois primeiros volumes da trilogia falam sobre mulheres. Qual a diferença? Do que se tratam os livros?
R: “Magnólia” é a história de uma mulher que se encontra com ela mesma. E isso acontece, por exemplo, se olhando no espelho, talvez descobrindo uma memória perdida ou tendo que enfrentar seus próprios botões. Enfim, você enfrenta algo que é a sua própria fantasmagoria. É um romance um pouco solipsista, de auto-encontro com aquilo que o sujeito tem de enganação de si. Pois ele é o que ele é, o que ele não sabe que é e o que ele não é. Então há esse jogo de descoberta do dentro e do fora, por um personagem. E “A Mulher de Costas” é uma história de uma mulher que se encontra consigo mesma, que ao invés de se enfrentar com um espelho se enfrenta com um deserto. Enquanto “Magnólia” fica dentro de casa, abre uma gaveta e faz uma viagem pelo jardim pra depois poder voltar – e atravessar com isso vários infernos –, “A Mulher de Costas” é uma mulher que simplesmente faz uma travessia de um deserto para outro deserto. É a história de uma princesa moura encantada, que faz parte da mitologia gaúcha, que é a lenda da salamanca do Jarau, que eu conto da minha maneira.
P: E porque Trilogia Íntima?
Eu comecei a escrever essas histórias todas ao mesmo tempo, tanto “Magnólia”, “A Mulher de Costas” e “O Manto” – que ainda estou escrevendo. E “íntimo” pois queria falar desse solipsismo, dessa convivência e auto-experimentação. O íntimo é essa convivência. A busca solitária e a descoberta. Mas acho que o que tem de meu, tem de universal. As pessoas que leram e me deram retorno, conseguiram entrar nessa viagem. Pois não é uma viagem minha que eu dou a elas, mas uma proporcionada aos leitores através dos personagens.
P: São histórias independentes, porque estão na mesma trilogia?
R: Sim, são livros independentes, mas estão interconectados, há integração entre eles. O que não tem é uma linearidade. Não há uma cronologia que explica “Magnólia” como primeira história e supostamente uma tese, aí “A Mulher de Costas” como antítese e depois “O Manto” como uma síntese. É o contrário! O que tem de comum entre as três é essa experiência de entrega ao mesmo e ao outro e a tentativa de compreensão dessa Banda de Möbius, desses dois lados de uma mesma moeda – onde cada lado é um lado mas compõem um mesmo elemento. Relato ou novela não é uma coisa que eu estou atrás de fazer. Respeito quem faz, claro, mas não é o que eu faço.
P: E a sua filosofia está aparecendo nesses romances?
R: Acho que é a linguagem que aparece na literatura. A filosofia está incorporada em mim e faz parte do meu vocabulário e as questões que estão entranhadas, visceradas, também. Mas eu não tenho um projeto literário à base da razão, ao contrário, eu me interesso por tudo aquilo que foi catalogado por todos os gêneros da literatura. Eu acho que o exercício literário é a sua chance de esquizofrenia (risos). Esquizofrenia para o bem!
P: Como é escrever sobre filosofia atualmente?
R: A filosofia se tornou importante no Brasil, que está aprendendo a democracia. Na ditadura não havia espaço para pensamento livre e é natural que agora a filosofia entre na moda. E tomara que de fato as pessoas se envolvam em reflexões críticas na política, no cotidiano, na responsabilidade ética.
P: Mas há espaço para ela no mundo da informação instantânea?
R: A atenção no próprio pensamento nos torna filósofos do mundo da informação instantânea. O que a filosofia deve fazer é recolocar a atenção que nos é arrancada pelos meios de comunicação no lugar dessa atenção. E, ao meu ver, também mostrar como é o olhar vagaroso sobre as coisas.
P: Você acha que a filosofia está mais acessível às pessoas?
R: Há sim uma vontade das editoras, dos meios de comunicação, da própria esfera culta da sociedade, talvez de uma classe média um pouco mais esclarecida que gosta de cinema e literatura e vai gostar também de filosofia. Mas ainda não dá pra fazer muita festa porque o trabalhador explorado, além de estar excluído do jornal ou da internet, não tem dinheiro para livro nenhum e não está lendo nada. Mas há sim uma vontade de abertura à filosofia por parte das classes lúcidas, que tenta recolocar parâmetros e rever posicionamentos práticos.
P: Como tem sido a resposta para a tentativa de levar filosofia para a TV, com o “Saia Justa”?
R: Um pouco de informação erudita sempre é possível. E esse programa tem um formato, em si mesmo, filosófico. Pois ele é um fórum de mulheres emitindo opiniões. Mais ou menos fundamentadas. É isso que me anima em fazer esse programa: são pessoas diferentes que se propõem a conversar em torno de temas tentando construir um diálogo. Acho que as mulheres foram proibidas de falar ao longo da história da humanidade, então vejo esse programa como um oásis no seio da sociedade patriarcal.
P: O programa é muito criticado por falar demais de sexo...
R: É um programa de TV com todos os defeitos que os programas de TV têm. Mas é que no Brasil se faz muito sexo, há muita pornografia, mas na hora de falar sério sobre o assunto parece que você está cometendo uma heresia. Educação sexual, por exemplo, no Brasil é inexistente. Mas a gente discute também esse cinismo que a gente vive. Sobre política, questões de ética – no sentido de comportamento. Mas é um programa de fala aberta então há muita interferência. E a TV, pela falta de tempo e necessidade de linearidade, limita muito.
P: É verdade que você está escrevendo uma autobiografia tem dez anos?
R: Sim. Começou como um romance em 1998 e eu escrevo e reescrevo, reescrevo. Por que o mais difícil é reconstruir a memória de sua infância. Aliás, se tem alguma coisa boa de se falar da vida de alguém, a meu ver, é a infância, pois o resto é a vida besta de todo mundo. A vida minha e sua que diferença vai ter? Que grandes feitos são tão importantes na vida de alguém para que ele acha que pode contar? Não sei. Mas é que minha vontade é de conseguir memórias perdidas do tempo em que a vida era pura poesia. E no lembrar você vai imaginando coisas, mas eu me divirto com o descortinar desse passado.
Quem quiser ler/ver a entrevista na íntegra é só me perguntar quando vai ao ar ou me pedir um exemplar do jornal :)
P: Os dois primeiros volumes da trilogia falam sobre mulheres. Qual a diferença? Do que se tratam os livros?
R: “Magnólia” é a história de uma mulher que se encontra com ela mesma. E isso acontece, por exemplo, se olhando no espelho, talvez descobrindo uma memória perdida ou tendo que enfrentar seus próprios botões. Enfim, você enfrenta algo que é a sua própria fantasmagoria. É um romance um pouco solipsista, de auto-encontro com aquilo que o sujeito tem de enganação de si. Pois ele é o que ele é, o que ele não sabe que é e o que ele não é. Então há esse jogo de descoberta do dentro e do fora, por um personagem. E “A Mulher de Costas” é uma história de uma mulher que se encontra consigo mesma, que ao invés de se enfrentar com um espelho se enfrenta com um deserto. Enquanto “Magnólia” fica dentro de casa, abre uma gaveta e faz uma viagem pelo jardim pra depois poder voltar – e atravessar com isso vários infernos –, “A Mulher de Costas” é uma mulher que simplesmente faz uma travessia de um deserto para outro deserto. É a história de uma princesa moura encantada, que faz parte da mitologia gaúcha, que é a lenda da salamanca do Jarau, que eu conto da minha maneira.
P: E porque Trilogia Íntima?
Eu comecei a escrever essas histórias todas ao mesmo tempo, tanto “Magnólia”, “A Mulher de Costas” e “O Manto” – que ainda estou escrevendo. E “íntimo” pois queria falar desse solipsismo, dessa convivência e auto-experimentação. O íntimo é essa convivência. A busca solitária e a descoberta. Mas acho que o que tem de meu, tem de universal. As pessoas que leram e me deram retorno, conseguiram entrar nessa viagem. Pois não é uma viagem minha que eu dou a elas, mas uma proporcionada aos leitores através dos personagens.
P: São histórias independentes, porque estão na mesma trilogia?
R: Sim, são livros independentes, mas estão interconectados, há integração entre eles. O que não tem é uma linearidade. Não há uma cronologia que explica “Magnólia” como primeira história e supostamente uma tese, aí “A Mulher de Costas” como antítese e depois “O Manto” como uma síntese. É o contrário! O que tem de comum entre as três é essa experiência de entrega ao mesmo e ao outro e a tentativa de compreensão dessa Banda de Möbius, desses dois lados de uma mesma moeda – onde cada lado é um lado mas compõem um mesmo elemento. Relato ou novela não é uma coisa que eu estou atrás de fazer. Respeito quem faz, claro, mas não é o que eu faço.
P: E a sua filosofia está aparecendo nesses romances?
R: Acho que é a linguagem que aparece na literatura. A filosofia está incorporada em mim e faz parte do meu vocabulário e as questões que estão entranhadas, visceradas, também. Mas eu não tenho um projeto literário à base da razão, ao contrário, eu me interesso por tudo aquilo que foi catalogado por todos os gêneros da literatura. Eu acho que o exercício literário é a sua chance de esquizofrenia (risos). Esquizofrenia para o bem!
P: Como é escrever sobre filosofia atualmente?
R: A filosofia se tornou importante no Brasil, que está aprendendo a democracia. Na ditadura não havia espaço para pensamento livre e é natural que agora a filosofia entre na moda. E tomara que de fato as pessoas se envolvam em reflexões críticas na política, no cotidiano, na responsabilidade ética.
P: Mas há espaço para ela no mundo da informação instantânea?
R: A atenção no próprio pensamento nos torna filósofos do mundo da informação instantânea. O que a filosofia deve fazer é recolocar a atenção que nos é arrancada pelos meios de comunicação no lugar dessa atenção. E, ao meu ver, também mostrar como é o olhar vagaroso sobre as coisas.
P: Você acha que a filosofia está mais acessível às pessoas?
R: Há sim uma vontade das editoras, dos meios de comunicação, da própria esfera culta da sociedade, talvez de uma classe média um pouco mais esclarecida que gosta de cinema e literatura e vai gostar também de filosofia. Mas ainda não dá pra fazer muita festa porque o trabalhador explorado, além de estar excluído do jornal ou da internet, não tem dinheiro para livro nenhum e não está lendo nada. Mas há sim uma vontade de abertura à filosofia por parte das classes lúcidas, que tenta recolocar parâmetros e rever posicionamentos práticos.
P: Como tem sido a resposta para a tentativa de levar filosofia para a TV, com o “Saia Justa”?
R: Um pouco de informação erudita sempre é possível. E esse programa tem um formato, em si mesmo, filosófico. Pois ele é um fórum de mulheres emitindo opiniões. Mais ou menos fundamentadas. É isso que me anima em fazer esse programa: são pessoas diferentes que se propõem a conversar em torno de temas tentando construir um diálogo. Acho que as mulheres foram proibidas de falar ao longo da história da humanidade, então vejo esse programa como um oásis no seio da sociedade patriarcal.
P: O programa é muito criticado por falar demais de sexo...
R: É um programa de TV com todos os defeitos que os programas de TV têm. Mas é que no Brasil se faz muito sexo, há muita pornografia, mas na hora de falar sério sobre o assunto parece que você está cometendo uma heresia. Educação sexual, por exemplo, no Brasil é inexistente. Mas a gente discute também esse cinismo que a gente vive. Sobre política, questões de ética – no sentido de comportamento. Mas é um programa de fala aberta então há muita interferência. E a TV, pela falta de tempo e necessidade de linearidade, limita muito.
P: É verdade que você está escrevendo uma autobiografia tem dez anos?
R: Sim. Começou como um romance em 1998 e eu escrevo e reescrevo, reescrevo. Por que o mais difícil é reconstruir a memória de sua infância. Aliás, se tem alguma coisa boa de se falar da vida de alguém, a meu ver, é a infância, pois o resto é a vida besta de todo mundo. A vida minha e sua que diferença vai ter? Que grandes feitos são tão importantes na vida de alguém para que ele acha que pode contar? Não sei. Mas é que minha vontade é de conseguir memórias perdidas do tempo em que a vida era pura poesia. E no lembrar você vai imaginando coisas, mas eu me divirto com o descortinar desse passado.
Quem quiser ler/ver a entrevista na íntegra é só me perguntar quando vai ao ar ou me pedir um exemplar do jornal :)
3 comentários:
a-há! Apaixonou heim!
Ai, morri.
Seu metido... Eu digo que gostei do seu blog e você me responde com isso!? Se antes eu tinha gostado, nem preciso dizer que amei agora.
Um abraço!
Obrigado por Blog intiresny
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