segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

C'est la vie

Lá quando eu tinha 18 anos eu me apaixonei (não no sentido romântico) pela amiga de um amigo. Ela era linda e estava sempre muito bem vestida e perfumada. A gente sentava junto em um restaurante e enquanto eu procurava a cerveja mais barata do cardápio, ela pedia manhattans e outros drinks que eu não conhecia ainda.

Nos cafés de Belo Horizonte, ela falava com desenvoltura sobre autores que eu não conhecia ou que tinha lido um livrinho apenas. As piadas mais inteligentes eram as dela. Os assuntos mais interessantes eram os dela. Ela me falava sobre suas idas à Paris, como gostava muito e conhecia bem aquele lugar. Lembro de me sentir tímido perto dela, um reflexo da minha ignorância.

O tempo passou, nos distanciamos e ficou bem claro que a gente só conversava por causa do amigo em comum. Tudo bem, sem problema, c'est la vie. E essa distância (escondida no "contato" apenas via redes sociais) se revelou extremamente interessante: todo aquele charme que eu via realmente estava lá, mas não era o resultado de uma busca genuína por conhecimento ou cultura. Ela não passava de uma herdeira. O ritmo em que ela devorava livros e música francesa era proporcional ao tempo que tinha disponível por não precisar trabalhar.

(Antes de qualquer coisa, eu admito que identifico em mim uma ponta de inveja aqui. A falta de tempo e dinheiro me priva de várias coisas e ver gente com isso em abundância me revolta um pouco. Mas que bom pra ela! Quero dizer, tem muita gente que prefere usar essas horas para fazer coisas idiotas - e ler autores russos está bem longe de ser uma perda de tempo -, então é louvável que seu ócio tenha sido usado com esse fim, não é essa minha questão)

Mas não consigo parar de enxergar dessa maneira: ela era (na verdade, ainda ainda é) só uma pessoa com tempo, nada mais do que isso. E tempo, ainda mais quando existe dinheiro, transforma todo mundo naquilo que a pessoa quiser ser. Ela é realmente inteligente, mas como ela ficaria sem os perfumes caros, as roupas sempre novas, sem "Monty Phyton"? Sem o tempo para as duas faculdades, as aulas de gastronomia, de francês, italiano e inglês? Deus, como seria ela sem uma empregada doméstica em casa? Não sei, mas seria uma outra pessoa, imagino.

Esse é meu ponto: essa pessoa teria bom gosto se ela não pudesse sustentar o bom gosto? Tudo que ela tinha conquistado (materialmente e intelectualmente) foi, na verdade, oferecido para ela de alguma forma.

Existe muita inteligência adormecida por aí, gente interessada que não consegue correr atrás - pois o ponto de partida rumo àquela inteligência é diferente pra cada pessoa e depende bastante do contexto dela; quase mais do que de sua vontade. Ao mesmo tempo, há quem não queira gastar energia. Eu disse que o que ela tinha conquistado lhe foi, na verdade, oferecido. Mas ela teve a opção de não aceitar. Então o mérito é dela sim. Uma outra amiga sonhava em trabalhar com cinema e animação, e hoje está estudando isso no exterior. Não é só porque ela quer, é porque ela pode. Mas não é conto de fadas, ela precisa ralar, tirar ótimas notas etc. Enquanto isso, tenho um outro conhecido cujos pais não fizeram faculdade e depois de muita economia e luta, puderam oferecer isso ao garoto. Mas ele não quis.

Sempre falava com minha terapeuta quando reclamava da vida: "O problema não é o que eu sou, é o que eu queria ser". Nunca me dou por satisfeito pois eu quero ler mais coisas, ver mais coisas, conhecer mais gente, mais lugares. E quando percebo gente assim, navegando com graça no oceano do tudo-na-mão, fico me perguntando se nossos sonhos para o futuro são (ou deviam ser) proporcionais ao nosso passado. Se os meus fossem, acho que me frustaria menos.

C'est la vie.