quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

O feito de "Milk"

Sempre que saio do cinema depois de ver um filme bom, tenho uma sensação de que minha vida é outra. Me sinto mais leve e tenho a impressão de que ela vai mudar. Não foi diferente com “Milk – A Voz da Igualdade”, que assisti ontem.

Para quem não sabe, o filme traz Sean Penn no papel que lhe deu o Oscar deste ano. Ele interpreta o político Harvey Milk, um pioneiro dos direitos homossexuais nos Estados Unidos. Contando um pouco de sua vida pessoal, o filme aborda, principalmente, sua contribuição contra a aprovação de uma proposta que pretendia impedir o trabalho de professores gays. Ele foi membro do Conselho de Supervisores da cidade de São Francisco. Na Flórida, a cantora cristã Anita Bryant liderou com sucesso uma campanha para derrubar uma lei que proibia a discriminação contra os homossexuais e o filme fala sobre isso também.

O longa é de Gus Van Sant, abertamente gay, notável diretor de “Gênio Indomável”, “Paranoid Park” e “Elefante”. Ao contrário de muitos filmes com personagens reais, o trabalho não virou uma cinebiografia enfadonha. A atuação de Sean Penn é excelente e, ao misturar cenas do longa com cenas reais da época, o trabalho tem um ar bem realístico e a gente tem a sensação de estar vendo um documentário. Mas, claro, muitos críticos torceram o nariz dizendo que o filme tinha virado mais uma homenagem a Milk – como se isso fosse menos nobre.

Que seja, então. Ela acontece em um momento delicado para a comunidade homossexual da Califórnia, particularmente de São Francisco, cidade de Milk. Ela está abalada com a aprovação popular da proposta 8, que inclui uma emenda na Constituição Estadual que proíbe o casamento entre pessoas do mesmo sexo – o que havia sido autorizado pela Suprema Corte local em maio de 2008. Foi a primeira vez que a Constituição dos Estados Unidos fez uma interferência para retirar um direito civil.

É interessante ver também como política e homossexualismo mantém uma relação – mesmo que dentro do armário e mesmo que muitos neguem. Nos anos 50, no discurso do senador McCarthy a caça às bruxas comunistas, por exemplo. Uma carta do secretário nacional do Partido Republicano dizia: “Talvez tão perigosos quanto os comunistas propriamente ditos, são os pervertidos escusos que infiltraram nosso governo nos últimos anos”. Absurdo? Nada. O braço direito de McCarthy, Roy Cohn, odiou gays a vida inteira (e morreu de Aids escondendo sua homossexualidade). Na época, a revista “Time” defendeu o projeto de despedir os gays que trabalhassem para o governo federal. A mesma revista que selecionou Milk como uma das cem pessoas mais influentes do século XX depois.

Mas o que mais me assustou no filme foi perceber que aquilo tudo se passou nos anos 70 e o mundo ainda está assim. É certo que houve progresso, mas há tantas Anitas Bryants por aí ainda. Todo casal que está junto e se gosta troca beijos na boca, certo? O que acontece é que gays podem ter direito de benefícios de seguro de vida, casar, ter filhos e o escambau, mas enquanto dar um beijo no seu namorado em público for um ato político, existe algo errado com o redor.

Não quero cair num concurso de vitimização, mas é imensa e ironicamente estúpido termos que ter um gay no poder para assegurar os direitos homossexuais, não? É como diz a famosa frase de Martin Niemöller: "Quando os nazistas levaram os comunistas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era comunista. Quando levaram os judeus, eu não protestei, porque, afinal, eu não era judeu. Quando eles me levaram, não havia mais quem protestasse".

Tudo bem, grupos particulares (constituídos por raça, etnia, orientação sexual, etc) devem militar pelos seus direitos. Mas o local é o global e defender os interesses de pessoas diferentes de você deveria ser algo corriqueiro. É muito incômodo ver que as pessoas seguem suas vidas olhando para seus umbigos, sem perceber que só é possível proteger a liberdade da gente se entendermos que, para isso, é necessário defender a liberdade de nosso vizinho como se fosse a nossa.

Se não há nenhuma lei sendo quebrada, a condição de liberdade de um é a de todos. Quanto tempo vão demorar para perceber isso? Sempre que saio do cinema depois de ver um filme bom, tenho uma sensação de que minha vida é outra. Saí de “Milk" de mãos dadas com meu namorado. O filme não respondeu a tal questão, mas me deu esperança. E, olha, como existe o risco real de sermos xingados ou apanharmos por estarmos andando na rua de mãos dadas, isso foi um feito.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Corrida do Oscar

Pois hoje é quarta, a entrega dos troféus da Academia é domingo e eu vi bem poucos filmes dos que foram indicados. Na verdade, antes da ficha cair, só tinha visto Wall-E e Batman. Vergonhoso, eu sei.

Mentira, não é vergonhoso. Tem edição do Oscar que os indicados são patéticos e sabemos como a premiação já cometeu injustiças absurdas no passado. Mas esta tem tudo para ser boa e eu não quero boiar muito.

Então o que eu fiz? Aproveitei que minha faculdade está em greve e decidi ir ao cinema todo dia. Quero chegar domingo tendo visto os grandes indicados. Bom, todos que eu conseguir, já que eu sou um garoto de 21 anos que ainda vê filmes da maneira tradicional e não tem HDs externos recheados de filmes e séries que baixou pelo torrent.

Até agora? “Wall-E” (animação, canção original, roteiro, edição de som, mixagem), “Batman" (ator coadjuvante para Heath Ledger, direção de arte, maquiagem, edição de som, mixagem), “O Curioso Caso de Benjamin Button” (filme, ator para Brad Pitt, atriz coadjuvante para Taraji P. Henson, diretor, roteiro adaptado, direção de arte, maquiagem, figurino, mixagem), “A Troca” (melhor atriz para Angelina Jolie, direção de arte), “Vicky Cristina Barcelona” (atriz coadjuvante para Penélope Cruz) e “O Leitor” (filme, melhor atriz para Kate Winslet, diretor, roteiro adaptado).

Amanha eu vejo “Foi Apenas Um Sonho” e sábado eu vejo “Milk” e “O Lutador”. E ta de bom tamanho, não?

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Os jornalistas não querem dominar o mundo

Não sei porque as pessoas adoram falar mal de jornalismo. E a moda pega! Qualquer dia vai virar modalidade esportiva. Lá vem os acadêmicos com todos aqueles paradigmas velhos para falar que o jornalista mau (esfrega as mãos e aperta os olhinhos) vai colocar uma informação na sua cabeça e ela vai ficar ali porque você, espectador, é uma massa amorfa e passiva que engole e só. Sim, ainda tem gente que acredita nisso. Será que o jornalista dá risada maligna depois disso também?

Ainda bem que existe, muito além dos jornalistas, o controle remoto, que permite que você mude o canal da tevê ou desligue o rádio, o computador ou o escambau. “Mas aí vc corta a comunicação”, diriam os acadêmicos. E eu digo “pelo menos você filtra o que você vai ou não receber”. E mesmo que você esteja amarrado na cadeira e não possa evitar a exposição ao que você não quer, respire aliviado, você tem personalidade, capacidade de interpretação e memória seletiva. A informação nunca chegaria a você como o malévolo profissional programou.

Parênteses: Alguém sabe quanto ganha um jornalista? Desde quando alguém com esse piso merreca é ameaça séria a alguém?

Poder é um conceito que não passa perto da maioria dessa turma. Poder é o garoto que vi passeando na rua com o cachorro, em dia útil e horário comercial, no Lourdes. Quando passei do lado dele senti aquele perfume que a gente sabe que foi fabricado e comprado em terras muito longe das nossas. Cheirinho de Europa. Moletom caríssimo, olhos verdes e tempo para ter qualidade de vida. Talvez ele domine o mundo. Nós, não.

* Manoella Oliveira.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Eu vi Alanis Morissette



Tudo bem, eu sei que Belo Horizonte não entrou para o eixo dos grandes shows e que a vinda de Alanis Morissette ao Brasil – especialmente à Belo Horizonte – tem mais a ver com lucrar o que o CD não conseguiu e, por consequência, estimular a venda de CDs. Afinal, depois da explosão do álbum “Jagged Little Pill” (1995), que superou as 30 milhões de cópias, a saída dos discos tem diminuído. Tudo absolutamente normal, a venda de todo mundo no mundo da música caiu com a internet e downloads e pirataria e tudo. Mas ela nunca parou de produzir e, apesar da crítica torcer o nariz para algumas coisas, ela nunca deixou de lado a melhor coisa de sua música. Aquele elemento sem nome que mistura particular e universal. E por isso eu nunca deixei de acompanhar Alanis, que está até tatuada no meu braço.

No show, pude ver que aquela suposta raiva do começo da carreira não existe mais. Depois de um momento tenso para colocar minha irmã para dentro do Chevrolet Hall (ela tem 14 anos e a censura era de 16), notei que ela era a pessoa mais nova ali. Afinal, Alanis deixou de ser a porta-voz de meninas em crise existencial pré-adolescente.

Como nas outras apresentações da turnê, a banda entra primeiro tocando a primeria parte de "The Couch", que é uma música complexa, cheia de palavras complicadas e sem refrão. Alanis canta, mas ainda não está no palco. Quando ela aparece começa “Uninvited”, uma bela canção que foi trilha do filme “Cidade dos Anjos”. Ela está vestida de preto e a platéia grita de uma forma ensurdecedora. Com razão! Os músicos são ótimos e, no instrumental final da música, Alanis balança a cabeça e roda pelo palco, praticamente em transe. Enquanto eu estava praticamente em estado de choque.

Depois começa “Versions Of violence” uma música sinistra do mais recente álbum de inéditas, chamado “Flavors Of Entanglement”. É uma música que ficou ainda mais pesada sem a camada eletrônica apresentada no disco e, assim, a platéia se sentiu ainda mais convidada a gritar bem alto.

Daqui, Alanis volta no tempo e vai direto para a faixa 1 do CD que lhe revelou. Ela toca gaita em “All I Really Want”, que ainda é uma das minhas favoritas. Eu pulo de mãos dadas com minha irmã e não lembro de ter gritado tão alto em nenhum outro show. Estamos num lugar ótimo. Deus abençoe Bruno, meu amigo que chegou mais cedo e pegou lugar na fila. Estamos um pouco mais à direita do palco, calculo que há uns cinco ou seis metros dele.

Chega a segunda parte de “The Couch” e é admirável a quantidade de gente que sabe a letra. Ela é tão complicada e antiga, que acho que a própria cantora se surpreendeu. A banda começa a contorcer o fundo e uma nova música aparece. Dá pra ver a interrogação no olhar das pessoas ao redor, até que “Not The Doctor” se revela. Eu sabia que ela estava na lista, mas é inegável que foi um bom presente. Ela foi cantanda poucas vezes em turnês e me senti feliz por ter ouvido ao vivo uma música tão importante para mim.

Aí começa “Not As We”, uma das músicas novas, também muito carregada emocionalmente. É uma balada tão triste, que dói. Nessa hora a baranga do meu lado subiu no ombro de um amigo para levantar uma faixa que dizia algo como “Alanis, posso te dar meu livro de poesia de presente?”. Não me importei com a grosseria do ato pois ele me permitiu chegar um pouco mais pra frente. Trata-se de uma música intíma e Alanis fez questão de não ver o cartaz. Bem feito.

Depois de tanta melancolia, que tal dançarmos um pouco? Começa a gostosa “Head Over Feet”, que tem uma letra das mais doces e simples. Trata-se de nada mais que uma declaração de amor. Clássico. Todo mundo canta junto. De volta à escuridão, chega a terceira e última parte de “The Couch”, que agora tem um tom um pouco mais animado que a versão original. Depois temos “Sympathetic Character”, que é uma das músicas que mais me tocaram no segundo álbum dela. É bem pesada e triste, e me permite gritar bastante.

Depois vem “Flinch”, que podia ter ficado de fora. É uma canção especial, mas é tão pesada quanto “Not As We” e ela devia ter escolhido uma das duas para o show e não ambas. Sem contar que ela é longa e, se estivesse fora, permitiria que outras duas entrassem. Enfim, a mulher já tá lá cantando, não é? Tratei de não pensar nisso e aproveitar a canção.

“Moratorium” começa. Caralho! Essa música faz muito sentido para mim neste momento da minha vida e, no palco, não havia uma camada eletrônica tão pesada quando a que o produtor Guy Sigsworth colocou no CD – ela já produziu Nelly Furtado, Björk e Madonna. Assim, a letra chama bem mais atenção e, enquanto ela faz refletir, também podemos dançar um pouco. Foi realmente inspiradora essa parte do show.

Lembro de ter virado para minha irmã e dito “Nossa, quando tocar 'You Oughta Know', neguinho vai morrer”. Eu fechei a boca e adivinha qual música começou? E sim, neguinho morreu. A galera pulava muito e gritava tanto que quase não dava pra ouvir Alanis. É a música definitiva e todos já passaram por uma traição – assunto que é abordado na faixa. Logo depois começa “Tapes”, mais calma, mas com uma temática parecida, auto-sabotagem. Linda performance de uma das minhas músicas favoritas do novo CD. Ela sai do palco e a produção arruma o espaço para a parte acústica do show.

E ela segue com o clássico “Hand In My Pocket”, que animou demais o pessoal. Alanis ficou sentada, mas essa canção tem praticamente uma coreografia: ela diz “hi-five” e a platéia faz um, ela diz “peace sign” e o mesmo acontece. Uma gracinha de música. Foi um show tão bom que estou sentindo esse texto ficar redundante.

Durante todo o show não existe muito efeito visual. O fundo do palco tem um desenho meio feio de uma grande árvore com galhos secos no pôr do sol, e Alanis, meio curvada, de perfil e com uma borboleta (ou flor?) acima da cabeça. Os telões do Chevrolet não foram ligados a pedido da produção da artista.

Ela segue o set acústico e dedica “Everything” para as pessoas sensíveis. No meio da canção vejo que minha irmã faz parte do grupo: Ela canta com a cabeça para cima e de olhos fechados, com as mãos no ar. A leve maquiagem está borrada de lágrimas. Ver aquilo me deu arrepios, achei muito lindo.

Vamos dançar de novo? Alanis já começa “So Pure” no ânimo da canção, que fala, basicamente sobre dançar. Não é bem um lado B, mas é considerada rara de se ver ao vivo. E, olha só, está no set da turnê que eu vi. Que beleza! Fim da canção, fim do show. Claro que ninguém da platéia se moveu.

Depois de sair do palco, ela volta com "You Learn", linda canção que contém a frase de minha próxima tatuagem. É, novamente, um grande momento. Impossível ficar melhor? Que nada. Mal termina e ela já segue com "Ironic". A platéia canta junto tão alto que ela desiste de cantar a primeira estrofe e estica o microfone, fazendo menção à platéia, que corresponde com a letra na ponta da língua. Abençoada seja a construtora ruim do Chevrolet Hall, que fez a arquibancada no lado direito do palco ser mais perto dele que a da esquerda. Assim, Alanis passou muito mais tempo deste lado – para minha alegria e para a do pessoal ao redor, claro.

Alanis se vai novamente. Ninguém mexe e ela volta para terminar o show agradecendo em forma de canção, com "Thank U", e dedica a música ao público (igual fez em Salvador). Depois, aparece uma luz no fundo onde lemos “thanks” e ela sai dali definitivamente. A banda é ovacionada e as luzes se acendem.

Meu corpo inteiro dói agora. Minha blusa está transparente de tanto que suei e eu faria tudo de novo. Aliás, se for pra mudar algo, daria um jeito de chegar ainda mais cedo.

Perfeito.