terça-feira, 19 de maio de 2009

A roupa de não encontrar

Essa não é uma dessas histórias que a gente conta pra qualquer um.

Existem algumas coisas que tem o dom de incomodar qualquer pessoa, bonita, feia, alta, baixa. Insetos barulhentos enquanto você dorme, alarmes de carros enquanto você lê. Mas uma das principais é ter certeza que alguém que acabou de passar por você na rua é sua alma gêmea e não poder fazer nada a respeito.

Bem, quase nada.

Ele tinha bochechas rosas e andava sempre muito arrumado, provavelmente seu trabalho pedia isso, seja lá onde é que ele trabalha. Nos víamos tanto que era como se nos conhecêssemos. Aquele olhar trocado passou de tímido para constante – sem chegar nunca no provocativo ou insinuante. Era como quem dizia “olá, vi que você está aí e que me viu olhando para você também”. Não é que eu me vestia por aquele olhar, mas sempre checava minha roupa depois desses momentos.

Sabe como é. Um dia você está inspirado e veste seu melhor figurino, no outro você coloca uma blusa por cima do pijama e vai trabalhar. Esses segundos dias passaram a não existir. Eu tinha uma espécie de uniforme para vê-lo. Ou melhor, não vê-lo. Pois, no sentido de “ver” querendo dizer “sair com” ou “dormir com”, eu não estava vendo ninguém. Muito menos ele! Bom, eu só quero dizer que presto mais atenção no que visto pelas manhãs agora.

Mas não é que isso seja ruim. Se ele não gostar de mim, tudo bem. Eu não o forçaria, não precisaria disso. Mas se quando me olha, ele me deseja, posso dizer que já estamos apaixonados.

Só falta todo o resto.

E eu vejo que ele será a pessoa perfeita para mim durante três bons meses. Aí meus hábitos ruins e as músicas ruins que ele ouve entrariam no meio e a gente ia ficar muito irritado um com o outro o tempo todo. Mas, ei, é assim mesmo. Quem acha que não faz sentido começar nada pois sabe que aquilo vai acabar, está muito equivocado. O que vale é o miolo mesmo. No meio fica o ápice dos filmes e da vida.

Para ouvir depois de ler: Blue Lips - Regina Spektor

terça-feira, 12 de maio de 2009

A mulher que não entendia a Elle

"Muito importante, não é?” me disse, apontando para a revista. “Cheia de reportagens muito boas sobre coisas bem relevantes”. Acontece que é uma ironia que sai pela culatra. É uma revista de moda. Se você está esperando reportagens investigativas está procurando no lugar errado.

Mas ó, até aí tudo bem. Todo mundo tem direito de não gostar da revista que não quiser gostar. Eu não gosto da Piauí, por exemplo. Acho prepotente demais e isso sem contar a síndrome de underground que a rodeia. Todo mundo que lê carrega aquele trambolho de revista (que formato é aquele?) pra todo lugar, pra todo mundo ver que ele a lê e vira mexe começa um assunto com “ah, eu li na Piauí desse mês uma história ótima sobre...”. Ah, bocejos. Estou numa fase braba de evitar pseudo-intelectuais. Pessoas inteligentes e de bem com a vida me atraem muito mais. Prefiro ler a Rolling Stone ou livros.

A quem incomodar possa, me desculpe. Mas eu sinto um apertozinho de ódio no coração quando vejo gente desdenhando coisas que gostam. Eu sei que sou mais superficial do que deveria, mas não tenho problema algum em admitir que gosto de coisas que não devia. E aí descansa o problema, o motivo deste texto: depois de dizer tudo isso, sabe o que ela faz? Pega a revista e vai ler.

Alguém me explica?

Para ouvir depois de ler: Rufus Wainwright – Peach Trees

domingo, 10 de maio de 2009

Ninguém ri de Deus

Regina Spektor, cantora/pianista que eu amo, acabou de lançar o primeiro single de seu novo CD, chamado “Far”. A música é “Laughing With”, que fala sobre um tema um tanto quanto amplo: Deus.

Ela canta lindamente sobre como a gente age diferente sobre o assunto de acordo com o lugar que estamos. Deus pode ser engraçado em piadas sobre céu ou quando é representado por mágicos ou quando atende pedidos como um gênio da lâmpada.

Mas Deus não é isso, é?

Ninguém ri de Deus no hospital, na guerra, quando está com fome ou frio. É sobre isso a canção. E isso foi uma coisa muito bonita de se ouvir hoje. É complicado manter a fé no meio de um mundo complicado e sem sentido. Mas quanto mais eu reflito sobre o assunto, mais sentido eu vejo nas coisas.

A energia do universo é quase matemática, o que faz com que muita gente não acredite em Deus. Mas tudo bem. Eu também não acredito. Não naquele sentido de um ser onipotente, provavelmente um velho barbado de manta branca ou que é a cara do Morgan Freeman. Deus está em todos, é nossa alma, é toda a energia que tocamos.

Você pode encher os pulmões de ar e declarar a meio mundo que Deus é uma ilusão, uma bobagem ou um delírio. Mas eu pago pra ver você repetir a mesma frase ao lado do leito de morte de uma pessoa que você ama.

Para ouvir depois de ler: Laughing With – Regina Spektor

domingo, 3 de maio de 2009

...E as flores?

Mal se sentou na confeitaria e o telefone celular tocou. A conversa impediu que uma parte considerável do salgado folheado fosse comido, mas durou o mesmo tempo que levou para acabar com o copo, que tinha mais gelo que guaraná, inclusive.

Tinha saído para comprar presente de aniversário para um familiar e estava sentando para se recuperar de uma tarde vazia como aquela, olhando vitrine. O telefonema vinha de uma pessoa que lhe permitia três categorias de noite: 1 – sexo casual; 2 – uma festa badalada cheia de gente hype, 3 – as duas opções anteriores.

Enfiou seu pedido na boca, pagou e pegou um táxi em frente à loja de bebidas – não antes de comprar um champanhe. Mas ele estava triste e, claro, aquilo não ia acabar bem.

Eles conversaram sobre vários assuntos e ele insistia em falar de seu ex-namorado – para o total desgosto do outro, obviamente. Mas é que ele estava triste. Mais do que de costume. Eles terminaram do meio do nada. Um dia o cara fala que está apaixonado e chora ao ouvir que seu plano para daqui 2 anos envolve mudar de cidade. No outro, ele termina com você por um e-mail? Poucas pessoas perceberam como ele estava abatido, talvez nenhuma.

O champanhe já tinha acabado, mas ninguém estava bêbado. Viram TV, tiraram fotos, se masturbaram. Qualquer um podia perceber que o clima não era para sexo, então foram para uma festa.

Ninguém interessante naquele tanto de gente interessante. Enquanto um trocava de rodas de conversa o outro procurou um lugar confortável para ficar sentado entediado e emburrado com o cosmos. Foi interrompido por uma grande turma que continha amigos, desconhecidos e desafetos. Sorriu para todos e uma amiga sentou-se perto.

Ele deu um gole na cerveja e apontou para alguém que não conhecia longe. Disse sobre aquela pessoa e secretamente referindo-se a outra, que ainda não tinha entrado na história:

– Está vendo aquele ali? Tem uma vida perfeita. Estuda na faculdade federal, namora há não sei quantos meses com um moço que parece amar. Ele era só um moço comum, continua sendo, mas soube fazer amizade com quem importava. E mesmo que, no fundo, tenha fobias estúpidas, taras bizarras, desejos grotescos e chore desesperado por ajuda, vai ser tachado de simpático, inteligente e sensual para sempre. E jamais vai ter que se preocupar com coisa alguma enquanto tiver um baseado perto.

Fechou a boca, largou a cerveja e vomitou. E foi embora.

Para ouvir depois de ler:
MGMT - Kids