quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

O pop tem razão: "Human Behaviour"

“Eu era deprimido pois ouvia música pop ou eu ouvia música pop pois eu era deprimido?”. Essa é uma questão de “Alta Fidelidade”, não sei se do filme ou do livro ou dos dois. O que interessa é que a dúvida é pertinente. Para tentar extrair dela algum divertimento – ou alguma sabedoria – criei essa categoria no blog para analisar músicas que, de alguma forma, fazem sentido.



A letra é curta, então acho que rola de colocar a tradução aqui. De forma direta é ainda mais fácil ver como a música é uma interessante crônica do comportamento humano, mesmo que de forma bem resumida.

“Se um dia você se aproximar de um humano e do comportamento humano, esteja preparado para ficar confuso. Definitivamente, não há lógica para o comportamento humano. Mas, mesmo assim, é tão irresistível! E não há mapas e um compasso não te ajudaria nem um pouco.

Eles são terrivelmente temperamentais e aí de repente ficam felizes. Mas, oh, ser envolvido na troca de emoções humanas. É sempre, sempre satisfatório. E não há mapa...”

Não é ótima? Esse single, que é o primeiro da carreira solo de Björk fora da Islândia, tem um clipe que condiz com a música, que caracteriza as emoções humanas de um ponto de vista animal, dirigido por Michael Gondry, mas também é baseado em memórias infantis da cantora. Aliás, a melodia – que ganhou um sample de Tom Jobim, “Go Down Dying" – foi criada pela moça quando ainda era criança, mas descartada. “Eu estava em bandas punks e ela não era punk”, disse Björk na época.

Essa coisa de planejar vingancinhas é coisa de novela – e de alguns escorpianos, diga-se de passagem. Mas, em grande parte dos momentos, as pessoas não tem noção do resultado de suas próprias ações. Todo mundo sai por aí agindo como se o que estão fazendo e falando hoje não afetasse o amanhã. Essa cegueira é causada pelo tempo, que distancia bastante a ação da reação. Acho que Björk canta sobre essa falta de lógica que, ao mesmo tempo que nos distancia, nos atrai.

Mas também sobre o que se chama de natureza humana, claro. Estudamos que seres humanos são seres de cultura, não de natureza. Não há, para a psicologia, uma natureza humana. O que uma pessoa considera certo pode ser extremamente errado em uma cultura diferente da sua. O fato é que não existe esse tal de instinto na gente. Mães que matam filhos, por exemplo, são vistas como aberrações para a sociedade, mas quem disse que ela precisam amar incondicionalmente suas proles? Isso não acontece no mundo animal: um filhote doente é deixado para trás pelo rebanho, um filhote que nasce morte, geralmente, é comido pela mãe. Os exemplos são inúmeros.

Mas há uma “brecha” nesse conceito chamada de pulsão, que diferencia-se daquele gerado por decisões. Ele é aquele gerado por forças internas inconscientes, alheias ao processo decisional. Pessoa não sabe nadar, mas vê alguém afogando e consegue resgatar; pessoa medrosa tira a arma da mão do bandido quando se vê ameaçada, coisas assim. Ao contrário do que é dito, isso não é instinto, é pulsão.

Enfim, o ser humano é um o animal mais imprevisível de todos. Não há como pré-determinar muita coisa sobre ele. Não há nada certo na natureza dele. Irmãos gêmeos criados em países diferentes serão adultos completamente diferente; até crescendo juntos isso pode acontecer! O número de possibilidade de desejos e realizações individuais não tem fim. E não há mapa. Por isso é tão fascinante - e corajoso, vai - interagir com eles, se envolver.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

O que eu aprendi com o Linux

Ou "Anedotas do Windows"

Já reparou que no Brasil até nome de coisa tecnológica é terceiro mundista? A galera no Maranhão tem projetos espaciais super legais, mas nada pode chamar Apollo, Starsix, Cybertud; tem que chamar Arara Azul, Saci Perêre, Aimoré. É assim que me sentia no Linux, no fim do mundo.

Confesso que quando a empresa resolveu trocar o sistema operacional de todos os computadores, tremi. Fui enrolando, trocando de lugar para ser o último da fila mas não teve jeito. Foram lá, me tiraram o Windows e instalaram uma coisa muita da maluca chamada Linux. Tudo é diferente no Linux. Não é Word, é BR Office, por exemplo. Sempre tenho preconceito com nomes assim.

É código aberto, é copyleft, é coisa e tal. Tudo bem, seus nerds, eu sei. Mas e daí? A barra de ferramentas está no lugar errado, tudo parece pesado e é laranja e que porra de pássaro esquisito é esse no papel de parede? Com o tempo, fui mudando o que podia ser mudado e me adaptando com o que não podia. Superei os nomes estranhos, os programas genéricos e ia me adaptando bem a eles.

Alguns dias atrás, veio a notícia:

- Gabriel, você deve deixar o Linux para trás. Ele não mais faz parte do seu trabalho. Eu sou seu pai.

Ok, tirando a parte da paternidade, a frase está certa. Voltaríamos ao Windows. Deixaria o Linux para trás, depois de tantos protestos abafados há mais de um ano. Por fora, ora comemorava, ora me fazia de desinteressado mas, por dentro, não queria voltar.

Não fui eu quem se adaptou ao Linux. O sistema operacional, outrora chamado de genérico, é que se adaptou às minhas necessidades. Mas voltar para o Windows, tudo bem, não seria o fim do mundo. Passada uma hora, enquanto eu recolocava pastas e favoritos no lugar, o Windows travou. Seria o primeiro – do já esquecido de tão inútil – control + alt + delete em anos. Algumas horas depois, vi que um documento importante havia sumido; culpa do Windows. Fiquei puto, mas o incidente gerou algumas piadas ao redor; risos dos não-afetados pelo problema.

Então elaborei uma teoria e, digamos, aprendi a lição. O Linux é o competente modelo. Não faz mais do que a obrigação de funcionar bem. Por isso mesmo, é pouco lembrado e pouco valorizado por aqueles que nunca interagiram com ele. Já o Windows, que dá erro pra caramba, é super conhecido, o piadista folgado, que faz o mesmo trabalho. Mas faz com um layout mais bonitinho e moderninho, de uma maneira menos estressada, chamando atenção e ganhando notoriedade.

Ela usa as chaves, ele quebra a porta


A empregada ainda fazia bolo de cenoura com calda de chocolate para as crianças crescerem saudáveis, suflê de legumes para a mãe seguir numa dieta com sabor e bifes não tão bem passados para o pai que gostava de sangue – mas as coisas estavam muito diferentes. O esforço de todos ao redor em fingir que nada havia mudado era até admirável, pois requeria muito esforço. Mas muito esforço cansa e o começo do fim aparecia todo dia em pequenos sinais pela casa. Numa troca de olhares, de palavras ou numa planta que mudava de lugar.

De fora, parecia que nunca estiveram apaixonados. Mas de fora, ninguém poderá dizer ao certo. De dentro, é bem possível que estivessem – ou que tenham estado, há muito tempo; um tempo que passou. Ele queria que isso mudasse, mas não mudou. Algo sempre esteve errado, mas ela fingia que não via.

Era estranho. Quando um ria, o outro se ofendia. Não eram amigos, eram companheiros de casa com nada mais do que, digamos testemunhas. Não reclamo como vítima. Não sofri com o fim, sofri com a espera. Não enxergo duas pessoas menos prováveis de terminarem juntas e ficava torcendo para o teatro acabar e cada um procurar seu rumo desde que percebei o seguinte: não é que ele pegava no sono vendo TV e acaba dormindo na sala; é que ele não era bem vindo na cama dela, que ela tinha comprado com o dinheiro dela, do trabalho dela, no quarto dela, na casa dela, construída por ela. Pra ela, pra ele, pra mim.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Stay hungry, stay foolish

Steve Jobs fez um belo discurso na Universidade de Stanford em 2005 que só tive oportunidade de assistir hoje. Apesar das muitas pérolas de seu texto, os últimos parágrafos me chamaram mais atenção pois têm a ver com o que estou pensando nos últimos dias. Abaixo há o discurso completo e legendado, mas coloquei aqui também a transcrição da parte citada.





“Mais ou menos um anos atrás, fui diagnosticado com câncer. Eu vivi com esse diagnóstico o dia todo. No fim do dia, eu fiz uma biopsia, onde eles enfiaram um endoscópio pela garganta, através do meu estômago até meu intestino, colocam uma agulha no meu pâncreas e tiram algumas células do meu tumor. Eu estava sedado, mas minha esposa, que estava lá, me disse que quando viram as células sob um microscópio, os médicos começaram a chorar. Tratava-se de uma forma muito rara de câncer pancreático que é curável com cirurgia. Eu fiz a cirurgia e estou bem agora.

Isso foi o mais próximo que cheguei de encarar a morte, e espero que tenha sido o mais próximo por mais algumas décadas. Tendo passado por isso, eu posso dizer isso a vocês agora com um pouco mais de certeza do que quando a morte era útil, mas puramente um conceito intelectual: ninguém quer morrer.

Mesmo as pessoas que querem ir para o céu não querem morrer para chegar lá! E, mesmo assim, a morte é um destino que todos compartilhamos. Ninguém nunca escapou dela. E é assim mesmo que tem que ser, porque a morte é provavelmente a melhor invenção da vida. É o agente de mudança da vida. Ela limpa o velho para abrir caminho para o novo. Agora, o novo são vocês mas, algum dia, não muito longe de agora, vocês gradualmente se tornarão o antigo e serão limpados fora. Desculpe ser tão dramático, mas é a verdade.

Seu tempo é limitado, então não o desperdice vivendo a vida dos outros. Não seja amarrado por dogma – que é viver com os resultados dos pensamentos de outras pessoas. Não deixe o barulho da opinião dos outros afogar sua própria voz interior. E, mais importante, tenha a coragem de seguir seu coração e intuição. De alguma forma, eles já sabem o que você verdadeiramente quer se tornar. Todo o resto é secundário.

Quando eu era jovem, havia uma publicação incrível chamada “The Whole Earth Catalog”, que foi uma das bíblias da minha geração. Foi criado por um colega chamado Stewart Brand, não muito longe daqui, em Menlo Park, e ele trouxe isso à vida com seu toque poético. Isso foi no fim dos anos 60, antes dos PCs e ferramentas de editoração, então foi tudo feito com máquina de escrever, tesoura e câmeras polaroid. (…) Quando chegou ao fim, eles lançaram uma edição final. Era no meio dos anos 70 e eu tinha a idade de vocês. Na contra capa havia uma fotografia de uma rua de campo de manhã cedo, do tipo onde vocês se encontraria pedindo carona. Na parte de baixo estavam as palavras: “Mantenha-se com fome. Mantenham-se tolo.” Foi a mensagem de despedida deles quando estavam se desligando. Mantenham-se com fome. Mantenham-se tolos. E eu sempre desejei isso para mim mesmo. E agora, como vocês estão se graduando para começar o novo, eu desejo isso para vocês. Mantenham-se com fome. Mantenham-se tolos.”

Fome de vida, sede de descobrir, humildade para procurar, ingenuidade para saber ouvir. Eis meu 2011, amém.

Para ouvir depois de ler: Teenage Dream - T.Rex

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Desconhece-te a ti mesmo

Todo mundo já fez perguntas filosóficas para si mesmo. Final de ano e aniversário são boas datas para isso. De onde viemos, para onde vamos e essas merdas todas. “Quem eu sou?”, a maior delas, talvez seja a única que possamos responder. Não é fácil, mas é possível.

O mundo está cheio de respostas. Eu sou brasileiro, filho, cristão, estudante, heterossexual, judeu, dentista, gay, negro, irmão, afilhado, índio, blogueiro, the walrus.

(Quando você era criança, por exemplo, sua mãe era só sua mãe. Aí você vai crescendo e vendo que ela é a esposa do seu pai, a empresária de tal lugar, a amiga de não sei quem. Mas é claro que essas respostas não são as que as pessoas buscam. Aliás, elas atrapalham um pouco a busca. Complicado isso. Do alto dos nossos 18 anos, achávamos que era o contrário, não? O peso da decisão de vestibular parecia tão mais decisivo; se errar nessa escolha, terei uma vida de merda para sempre. Mas na verdade, enquanto isso, fica cada vez mais fácil mudar de área, de rumo, de profissão. Sofríamos, na verdade, outro tipo de pressão – que ficará para outro texto, se ficar.)

Mas algo em você não é a representação desses papéis sociais que estamos fadados a cumprir. Outro dia ouvi uma frase ótima: desconhece-te a ti mesmo. Trata-se do inverso do aforisma grego citado por Platão, conhece-te a ti mesmo. Afinal, o que conhecemos da gente são esses rótulos que, com prazer, deixamos os outros colocarem na gente. Sabe quando seu pai te xinga dizendo que, se você nunca experimentou beterraba, como sabe que não gosta do sabor? Você é o que você faz quando não está sequestrado por um ideal. É o que você gosta (ou quer gostar) e faz (ou quer fazer) por você, para você, sem se importar em como isso será visto de fora.

Por isso, o elogio à diferença é tão perigoso quanto sua supressão. Ao invés de se orgulhar, de se envergonhar ou de recriminar, devíamos nos sentir livres para apenas ser. Aí você vai se permitindo e concluindo o que é bom ou não para você. E, é óbvio, o que é ruim para você pode ser exatamente o que o outro precisa e, portanto, você não deve opinar naquilo. E vice-versa.

Infelizmente, hoje, essa ideia não é possível em sua totalidade. Existem instituições muito, mas muito grandes mesmo, das quais não podemos simplesmente fugir. Viver fora delas é uma loucura, mas dentro, se traindo, também. E o dilema é esse. Fazer um acordo com o instituído versus aguentar a angústia de não ter aquilo que você abriu mão.

Há um provérbio, não sei de onde, que diz o seguinte: ninguém se banha, num rio, duas vezes com a mesma água. Desista das tags da vida real e vá andando enquanto não passar aquela dor que sinaliza que você não está em casa.

Para ouvir depois de ler: Live and Let Die - Paul McCartney