terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Ela usa as chaves, ele quebra a porta


A empregada ainda fazia bolo de cenoura com calda de chocolate para as crianças crescerem saudáveis, suflê de legumes para a mãe seguir numa dieta com sabor e bifes não tão bem passados para o pai que gostava de sangue – mas as coisas estavam muito diferentes. O esforço de todos ao redor em fingir que nada havia mudado era até admirável, pois requeria muito esforço. Mas muito esforço cansa e o começo do fim aparecia todo dia em pequenos sinais pela casa. Numa troca de olhares, de palavras ou numa planta que mudava de lugar.

De fora, parecia que nunca estiveram apaixonados. Mas de fora, ninguém poderá dizer ao certo. De dentro, é bem possível que estivessem – ou que tenham estado, há muito tempo; um tempo que passou. Ele queria que isso mudasse, mas não mudou. Algo sempre esteve errado, mas ela fingia que não via.

Era estranho. Quando um ria, o outro se ofendia. Não eram amigos, eram companheiros de casa com nada mais do que, digamos testemunhas. Não reclamo como vítima. Não sofri com o fim, sofri com a espera. Não enxergo duas pessoas menos prováveis de terminarem juntas e ficava torcendo para o teatro acabar e cada um procurar seu rumo desde que percebei o seguinte: não é que ele pegava no sono vendo TV e acaba dormindo na sala; é que ele não era bem vindo na cama dela, que ela tinha comprado com o dinheiro dela, do trabalho dela, no quarto dela, na casa dela, construída por ela. Pra ela, pra ele, pra mim.