terça-feira, 9 de novembro de 2010

A maldita sinceridade

Segundo Rousseau, a sinceridade é como uma espécie de “tormento cultural”. Imagine o mundo onde não há mentira, que chatice. Empresas falindo porque a foto da embalagem é exatamente como o produto é lá dentro; milhões de mulheres com raiva dos maridos que não gostaram do novo corte de cabelo; currículos mais do que enxutos. Mentiras são lubrificantes sociais.

Ou não? Quero dizer, na comédia “A Invenção da Mentira” - que não é um filme muito engraçado, mas que recomendo pelos questionamentos que levanta -, vemos um mundo onde ela ainda não existe e as pessoas estão tão acostumadas em ouvir a verdade que não se ofendem, e aceitam tudo naturalmente. O cara pergunta se a moça quer jantar com ele de novo e, ao invés de falar que está sem tempo ou algo assim, ela responde que ele é chato, feio e que mastiga a comida de uma maneira nojenta. Aceitar verdades devia ser normal, mas não é. A sinceridade é uma preocupação que oscila entre aceitação, negação e caricaturização.

Das autobiografias aos reality shows, forja-se uma verdade para satisfazer certas curiosidades, hoje segmentadas – um imagina como os outros fazem sexo, enquanto outro imagina como as pessoas lavam louça, vai saber. É que todos sabem, mesmo que instintivamente, que a personalidade cultural das pessoas não reflete exatamente quem ela é em essência. A pessoa que veste tal roupa e vai trabalhar em tal coisa é um personagem, criado por ela com base em um aspecto da sua “personalidade total”. É sua persona – uma palavra grega que diz respeito à máscara por onde a voz passa. Todo mundo está afim de ver a intimidade alheia, o outro lado dos outros, mesmo que não comungue de forma plena das suas próprias ações ocultas – ou “não públicas”. Mas ser sincero é expôr sua intimidade?

Voltando o assunto: sinceridade não é só isso. Que você não é você, em sua totalidade, o dia inteiro, você sabe. Estava querendo falar é de outro tipo de sinceridade.

O Brasil, especialmente, é um país onde esses conceitos todos se confundem. Educação, falsidade. A linha é tênue e você pode ter bastante certeza da sua posição sem conseguir que enxerguem isso. Por aqui, as regras vêm da cordialidade, herdada do tempo de colônia. É a relação de fazer tudo o que o país opressor quer enquanto planeja-se a independência por baixo dos panos. É a relação do tapinha nas costas enquanto amola-se a faca que virá em seguida.

Por outro lado, ser sincero e falar o que se pensa o tempo todo para todo mundo já é uma perversão, não uma qualidade. Existem os momentos onde omissões se fazem necessárias e mesmo mentiras – que, quando não ferem à justiça, são saudáveis.

Perceba que, quando te perguntam algo, volta e meio você diz antes da resposta: “Posso ser sincero?”. Ora, porque não poderia? Ah, por muitos motivos. Sempre começamos uma crítica colocando a palavra “sinceramente” na frase. É para amenizar e para nos excluir da culpa – afinal, foi você que pediu minha opinião! Para a filosofia e para muitos, sinceridade é sinônimo de confissão. E – se quem se confessa dá testemunho, conta algo porque viveu e presenciou um fato que pode narrar – confissões podem ser usadas como arma contra aquele que se confessa. Igual funciona quando compatilhamos com alguém um segredo.

Como não sabemos tudo sobre nós mesmos, jamais passaremos essa informação adiante. Mas podemos compartilhar impressões e sentimentos e, então, um pode se sentir como o outro se sente - e esse é o significado da palavra compaixão, intimamente ligada aos relacionamentos amorosos, paternos e de amizade. É a concepção ética de cada um que entra em jogo no assunto. Ter acesso a uma informação, a uma confissão, e não usá-la contra a pessoa tem a ver com isso, certo?

Para refletir.

Para ouvir depois de ler: All I Really Want - Alanis Morissette